- Introdução
- A instituição de um direito que pode não ser legal
- A força do desejo corrompe a ótica dos sentidos
- A falibilidade das deliberações humanas
- A infalibilidade dos desígnios de Deus
- As duas faces da vida e suas vinculações
- As duas faces do sexo e a universalidade das relações
- Um modelo de família que se autoextingue
- As dificuldades de adaptação ao gênero
- Os desalinhos e o difícil resgate das virtudes
- A transição do homo sapiens para o homo spirituale
- As mídias de massa e o incentivo ao sensualismo
- As glórias da tolerância
- O Côncavo e o Convexo
Cada alma esconde dentro de si uma sombra secreta que não ousa olhar, mas que jamais poderá esconder de si mesma: uma sombra sempre pronta a ressurgir, logo que uma hora de paz diminua a tensão da corrida louca com que quereis distrair-vos. A alma não se sacia, embalando o corpo em comodidades supérfluas e dispendiosas, acariciando os olhos com um brilho apenas externo. Na satisfação dos sentidos, alguma coisa sofre igualmente no íntimo e agoniza numa angústia profunda. Resta um vazio dentro de vós, em que apenas uma voz, perdida e desconsolada, eleva-se inquieta para perguntar: e depois?
[1]
Ubaldi, Pietro.
A Grande Síntese – Síntese e solução dos problemas da ciência e do
espírito. cap. 41. Interregno. pg. 169. 23ª Edição, 2010. Fraternidade
Francisco de Assis - FAC
Introdução
O presente ensaio, idealizado a
partir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a união
homoafetiva, fundamenta-se no fato de que essas relações não podem ser
analisadas apenas sob o ponto de vista da existência do homem na Terra. Deve
ser examinada de forma holística, posto que a existência atual, na esfera
física, tem consequências na dimensão espiritual. Por haver conexão da vida
presente com as precedentes e da atual com as subsequentes, há que se destacar
a necessidade de submissão dos nossos atos aos desígnios de Deus,
contrapondo-se à falibilidade das deliberações humanas, baseado no fato de que
Ele sempre nos precedeu, engendrou o universo com todos os seres e coisas e os
harmonizou com suas Leis infalíveis. Sintônico com essa realidade inconteste,
importante evidenciar a probabilidade das relações homoafetivas virem a ser
direção equivocada, escolhida com fulcro na interpretação unilateral e
incompleta do horizonte da vida. Nesse cenário, o que parece ser a conquista de
direito, pode revela-se como meio de postergar a assunção de responsabilidades
e de aplicar as verdades universais.
A abordagem da homossexualidade sob o ponto de vista metafísico, à luz do Espiritismo, vai propiciar reflexão mais conscienciosa aos que já vivenciam as relações homoafetivas e aos que destes receberem seu legado, para que não se distanciem dos valores inamovíveis do Ser Supremo. Esses valores não se metamorfoseiam ao sabor da vulnerabilidade do pensamento humano, nem no tempo, nem no espaço. Dessa forma, o homoafetivo terá a oportunidade de perscrutar, na sua consciência, o grau de sujeição que seu pleito dedica aos valores, aos deveres e à missão que Deus estabeleceu para cada Espírito na Terra, nas suas relações sociais e especialmente nas de familia, afinal, os efeitos desse pleito não abrangem só o plano convencional de nossa existência, mas, também, o que transcende a natureza física do nosso mundo.
A instituição de um direito que pode não
ser legal
Os movimentos sociais são
impelidos por grupos representativos de indivíduos que demonstram insatisfação
por algum direito existente que é negado ou que defendem a implantação de
supostos direitos com base em ideologias ou novos conceitos de vida em sociedade.
Tais movimentos, a exemplo do Humanismo, da era Renascentista, são sempre
impactantes na vida das pessoas, porque se contrapõem ao padrão vigente do
cotidiano. Na esteira dessas mudanças sociais, o Supremo Tribunal Federal
(STF), numa decisão histórica, se posicionou frente à mais controvertida
reivindicação pleiteada pelo movimento dos homossexuais: o reconhecimento da
união homoafetiva.
Embora controvertida, a decisão
proferida em março de 2011 contou com a unanimidade dos ministros equiparando a
união de indivíduos do mesmo sexo à união estável heteroafetiva, portanto,
equivalendo-se também a uma entidade familiar. A ação reivindicava a
interpretação do art. 1.723 da Lei nº 10.406, de 10.01.2002 (Código Civil) à
luz da Carta Magna de 1988. Sustentava-se que o não reconhecimento das uniões
homoafetivas feria os princípios da dignidade humana (art. 1º, III), da
igualdade (art. 5º, caput), da vedação de discriminação odiosa (art. 3º, V), da
liberdade (art. 5º, caput) e da proteção à segurança jurídica (art. 5º, caput),
todos da Constituição Federal.
Esse posicionamento do STF de
reconhecer a união homoafetiva também abriu caminho para que venha a se tornar,
com a regulamentação, contrato análogo ao matrimônio (união heteroafetiva
consubstanciada no casamento civil). Esse fato é um marco na história
contemporânea no tocante à luta por direitos civis e atualmente é frenesi da
mídia e dos missivistas dos direitos humanos. Esses dois segmentos
consideraram, com os homossexuais, que essa reivindicação era direito legítimo
e que sua indefinição ignorava as injustiças sofridas por essa minoria, já que,
no seu entendimento, esse direito guarda simetria com o dos heterossexuais no
que se refere à expressão dos sentimentos. Justificam, ainda, que sua
positivação no mundo jurídico era inevitável, por tratar-se de modo de sentir
inato, por ser notória a comunidade dessa convivência na sociedade, por haver
carência de normas sobre o assunto e pelo caráter de inovação que esse tipo de
relação contratual imprime à tradição familiar.
Movido pelo senso de submissão
aos preceitos divinos gravados em minha consciência, pretendo aqui evidenciar a
necessidade de prudência quanto às concessões legais feitas de forma prematura,
como é o caso da decisão do STF que motivou esse ensaio: o reconhecimento da
união homoafetiva. Esse tipo de relação, além de inadequada, fere a
lógica estabelecida por Deus no que se refere à missão de cada ser humano neste
planeta, coadjuvada pela função do sexo afetivo na instituição familiar.
Refletindo sobre a perfeição das concepções divinas e ponderando sobre porque
as coisas são assim e não de outro modo, Leibniz assim se expressou (grifei):
A força do desejo corrompe a ótica dos
sentidos
Neste momento em que o
homoafetivo constrói um paraíso que lhe apraz, fruindo comportamento inerente,
é claro, ao seu nível evolutivo, ilude-se ao defender propósito alicerçado numa
interpretação distorcida da vida. Ao eleger direção amparada tão somente no seu
direito de livre escolha, sem que esse rumo se apoie nos postulados superiores,
provável é que o exercício desse modo de expressar sua afetividade resulte em
graves consequências em futuro não muito distante. Por isso, nenhuma abstração
melhor espelha essa conduta do que aquela que faz paralelo com o efeito causado
pela reflexão dos espelhos côncavos e convexos. A ciência desses espelhos diz:
o espelho côncavo amplia um objeto e reduz os demais à sua volta, enquanto o
convexo reduz um objeto para ampliar os demais à sua volta. Daí, fácil
constatar a imbricação de sentidos das imagens retornadas por esses espelhos
com o caso em análise, visto que nem um nem outro reflete a imagem real.
Pretendo, com isso, comparar a
imagem refletida desses espelhos com os desejos, escolhas ou interesses do
indivíduo homoafetivo, em oposição à imagem refletida pelo grande espelho da
vida. Portanto, a depender do foco ou do interesse pretendido pelo homoafetivo,
tanto o espelho côncavo quanto o convexo pode satisfazer seu propósito quanto à
imagem por ele desejada: i) se a imagem do espelho côncavo
amplia o indivíduo homoafetivo para destacá-lo da coletividade, a justificativa
é a de que sua postura não é egoísta perante a sociedade, mas a que defende a
prevalência do seu direito fundamental de ser; ii) se a imagem
do espelho convexo reduz o indivíduo homoafetivo para destacar a coletividade,
diz-se tratar de ação egoísta da sociedade, por negar-lhe direito de ser que é
seu e é fundamental. Resulta-se, então, disso, que, seja qual for o espelho, a
imagem (desejos e escolhas) refletida receberá a interpretação que convém ao
homoafetivo e concorde a seus interesses, nunca acorde com os ditames divinos.
Após a licenciosidade dessa
ótica metafórica, cabe salientar que no suntuoso espelho do universo, a imagem
que mais expressa e fideliza as verdades do Criador é naturalmente a que
provoca menos distorções de foco ou do sentido de suas diretrizes. Sobrelevar
as uniões sexuais heteroafetivas é, na minha visão, uma dessas distorções. Ela
cerceia, por exemplo, o direito de um Espírito reencarnar na Terra. Ora, à
primeira vista, se não há relação sexual fecunda, não haverá, em sua
substituição, outro meio ou processo similar à fecundação que possibilite o
ingresso de novos Espíritos na Terra. Esse viés afetivo representa, também, ato
de indisciplina para com a vontade do Criador, afinal, quando Ele estabeleceu
que as relações afetivas que envolvem sexo, no estágio evolutivo da Terra,
devem circunscrever-se à heteroafetividade, razões Ele tinha para que fosse
assim, não de outra forma. Quis Ele que ao vivenciarmos as peculiaridades
de cada gênero humano, nós, Espírito imortal que somos, desenvolvêssemos nosso
intelecto e nossa moral de maneira singular à que é feita no mundo espiritual.
Por isso, com o fim de auxiliar
o indivíduo homoafetivo na busca da interpretação mais precisa da imagem que
melhor planifica seu destino, atento à “responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”,[3] é que o conclamo a auscultar o que à
sua volta reclama razão, a sondar o que sobre si, do alto, esbanja sabedoria à
imensidão, para içá-lo do físico ao metafísico e, num lampejo introspectivo,
perquirir, per se, se prospera superestimar os valores empíricos da vida
tangível, ignorando os valores inatos da vida espiritual, só porque os daquela
é de fácil constatação pelos órgãos dos sentidos, enquanto os desta se captam
pelo sensório da alma. É de bom alvitre sopesar tal postura em face da ideia
da livre expressão sexual (nos moldes legalizados), indagando:
Quem de nós, na atualidade de nossos
conhecimentos incompletos, conseguirá deitar sabedoria, no campo da
inteligência, tão só pelo testemunho das impressões pessoais? [...] De que
maneira dogmatizar afirmativas sobre causas, processos, acrisolamento e finalidade
de nossa existência terrestre pelos acanhados recursos dos sentidos comuns?[4]
Sem uma reflexão metafísica do
assunto, pode-se incorrer no erro de aplicar ao caso visão estreita e
hedonista. Essa reflexão de superfície é característica do ensino dos pais e
das escolas de hoje, que preparam suas crianças para a aquisição de conhecimentos,
descuidando do refino dos seus sentimentos. Crescendo e vivendo sob educação
desprovida de lastro moral e da acuidade ética, não é difícil prever que o
comportamento da criança até a fase adulta será pobre de virtudes, conforme se
deduz da análise de Leon Denis:
Embora o Espírito, naturalmente
de natureza assexuada, não veja sentido em se expressar no mundo espiritual com
preferência nesse ou naquele gênero, é bom frisar que, exclusivamente na Terra,
em face do baixo nível moral dos Espíritos que o habitam, a psicologia
assexuada não é base estanque para sustentar as relações homoafetivas. O que
deve ser levado em conta são as disciplinas inerentes ao plano evolutivo
traçado por Deus para cada grupo de Espíritos nos diversos globos do universo.
No caso específico dos Espíritos que habitam o planeta Terra, classificado como
de provas e expiação, há de considerar que eles ainda não estão capacitados
para nutrir elevados sentimentos de liberdade, de justiça e de amor. Se
estivessem preparados, suas relações afetivas, homossexuais ou heterossexuais,
seriam vividas naturalmente sem que isso penalizasse o fluxo de Espíritos do
mundo espiritual para este planeta, nem arranhasse a conduta moral compatível
com o modelo pregado por Jesus. A rigor, se estivessem nesse nível evolutivo,
já possuiriam corpos com estrutura compatível com a elevação de seus
sentimentos. Inexistindo atualmente esse modelo, certo é que a relação que se
comenta se configura como insubmissão ao plano e à vontade divina, afinal, as
relações homoafetivas se arvoram a pular uma etapa de aprendizagem somente
proporcionada integralmente pela relação heteroafetiva. Há de convir que nós,
em se tratando de Espíritos ainda falíveis no seu modo de pensar e vacilantes
no seu modo de sentir, podemos prever, a partir da legalização desse novo
modelo de família, que essa medida paliativa pode agravar a situação evolutiva
de quem o vivencia:
As uniões sexuais, portanto, que se efetuem à
distância desses sublimes imperativos, transformam-se em causas geradoras de
sofrimento e perturbação. Ao demais, não devemos esquecer que o sexo, na
existência humana, pode ser um dos instrumentos do amor, sem que o amor seja o
sexo. Por isso mesmo, os homens e as mulheres, cuja alma se vai libertando dos
cativeiros da forma física, escapam, gradativamente, do império absoluto das
sensações carnais. Para eles, a união sexual orgânica vai deixando de ser uma
imposição, porque aprendem a trocar os valores divinos da alma, entre si,
alimentando-se reciprocamente, através de permutas magnéticas, não menos
valiosas para os setores da Criação Infinita, gerando realizações espirituais
para a eternidade gloriosa, sem qualquer exigência dos atritos celulares. Para
esse gênero de criaturas, a união reconfortadora e sublime não se acha
circunscrita à emotividade de alguns minutos, mas constitui a integração de
alma com alma, através da vida inteira, no campo da Espiritualidade Superior.
Diante dos fenômenos da presença física, bastam-lhes, na maioria das vezes, o
olhar, a palavra, o simples gesto de carinho e compreensão, para que recebam o
magnetismo criador do coração amado, impregnando-se de força e estimulo para as
mais difíceis edificações.[6]
Supondo haver situação, mesmo
que fortuita, em que um indivíduo tenha adotado comportamento homossexual, sem
que esse modo de ser tenha raízes num passado que transferiu para a posteridade
as consequências da malversação do sexo, então, de maneira otimista, inspirado
no fato de que estamos vivendo momentos de grandes mudanças na estrutura da
matéria e na psicologia do Espírito, em função da transição planetária que
objetiva promover a Terra do seu estágio de provas e expiação para o de
regeneração, podemos inferir desse tipo de “homossexualidade” que ela seja
reflexo das vibrações trazidas pelos Espíritos mais evoluídos remanejados de
planetas superiores. Então, dotados, assim, de elevado sentimento de irmandade
celeste, podem, alguns indivíduos, agir com trejeitos involuntários similares
ao comportamento homossexual, sem que de fato sejam homossexuais.
Em última hipótese, em que a situação
não se configura um ato discricionário do indivíduo ou um reflexo de sua
elevação, referido comportamento pode ser reflexo do atavismo trazido pelo
espírito pelo fato de suas reencarnações anteriores mais recentes terem sido
repetidas e sequencialmente vividas na condição de homem e, desta feita, passa
à sua primeira reencarnação como mulher ou, de igual forma, na condição de
mulher e, nesta vida, passa à sua primeira reencarnação como homem. Nesse
caso, é perfeitamente previsível a incidência atávica nos seus atos, que o leva
a vivenciar momentos de conflitos de identidade por algum período ou até mesmo perdurar
em toda sua reencarnação.
Falando em prudência de interpretação, importante
ressaltar que o conhecimento e a prudência são indispensáveis à boa interpretação
dos nossos sentidos e de nossa vida, portanto, faz-se oportuno tecer breve
comentário sobre o termo “seres” empregado por Alan Kardec, na
questão 695 do Livro dos Espíritos [7]. O referido termo, cunhado na
expressão “união permanente de dois seres”, foi utilizado por ele como assessório à palavra casamento, não como
termo que ensaia chancela a homoafetividade, como alguns pensam. Kardec não o
utilizou em sentido metafísico, significando elo fraternal mantido entre
Espíritos. Aludia, sem dúvida, ao casamento, união apropriada à Terra,
naturalmente formalizada entre dois seres: o homem e a mulher.
Supondo-se que essa interpretação intencione combater a intolerância e
exalçar a indulgência para com os nossos irmãos homoafetivos que enfrentam os
mais exacerbados preconceitos, por ainda não terem se desvencilhado das
sensações que os dominam e os afastam de suas missões originais, não me parece
que o melhor caminho para o exercício da verdade e da caridade seja distorcer o
sentido de um termo “união permanente de dois seres” com o propósito de induzir neófitos espiritualistas a pensarem que
essa acepção foi chancela subliminar às relações homoafetivas.
A resposta do Espírito de Verdade à questão nº 695, quando indagado se
seria “contrário
à lei da Natureza o casamento, isto é, a união permanente de dois seres?”, foi clara,
objetiva e contundente: “É um progresso na marcha da Humanidade”. Ora, não há humanidade no mundo espiritual, só existe no mundo
físico: o planeta Terra.
Tal é a certeza de que o termo se referia a homens e mulheres, que um
século depois, o Espírito Emmanuel, sintônico com as diretrizes dos Arautos
Celestes, ao discorrer sobre a mesma questão do Livro dos Espíritos, extirpou
qualquer dúvida sobre o claro sentido empregado ao termo ”seres”, afirmando (grifei):
O
casamento ou a união permanente de dois seres, como é óbvio, implica o regime
de vivência pelo qual duas criaturas se confiam uma à outra, no campo da
assistência mútua. Essa união reflete as Leis Divinas que permitem seja dado um
esposo para uma esposa, um companheiro para uma companheira, um coração
para outro coração ou vice-versa, na criação e desenvolvimento de valores para
a vida.[8]
Em seguida, explica que esse progresso alcançado pela humanidade, por
meio do casamento, representa grande conquista do Espírito que vive atualmente
no planeta, no entanto, na Terra do futuro, naturalmente ainda física, mas
habitada por Espíritos regenerados, as relações sociais serão alicerçadas por
sentimentos mais nobres, ensaiando relação afetiva que mais se aproxima à
que é vivida por seres de esferas superiores (grifei):
Indiscutivelmente,
nos Planos Superiores, o liame entre dois seres é espontâneo, composto em
vínculos de afinidade inelutável. Na Terra do futuro, as ligações afetivas
obedecerão a idêntico princípio e, por antecipação, milhares de criaturas já
desfrutam no próprio estágio da encarnação dessas uniões ideais, em que se
jungem psiquicamente uma à outra, sem necessidade da permuta sexual, mais
profundamente considerada, afim de se apoiarem mutuamente, na formação de obras
preciosas, na esfera do espírito.[9]
Convêm lançar olhos com intenções de ver as verdades da vida, a fim de
que cada um possa ler o que diz no seu íntimo, confronte com tudo que
transcende (e não perece) para sondar se os sentimentos que lhe movem são
eivados dos novos ingredientes de amor disseminados pelo mundo vindouro de
regeneração ou se esses sentimentos são, ainda, os que o imantam ao solo das
paixões terrenas como resultado do estágio espiritual em que se encontram.
A falibilidade das deliberações
humanas
As constituições e os códigos disciplinadores de conduta dos indivíduos
nos diversos países são periodicamente reformados à medida que ocorrem mudanças
significativas no comportamento da sociedade. Quando o país é democrático de
direito, não assiste razão para ignorar a existência desses comportamentos ou
ignorar o exame e a conveniência de sua regulação normativa.
O movimento dos homossexuais defendeu a reforma do texto constitucional
a respeito do conceito de família. Mas, mesmo após a decisão favorável da
suprema corte, é oportuno, a meu ver, refletir sobre as consequências advindas
da inusitada entidade familiar, em face do legado que ela deixará às gerações
futuras. Nada obstante os abalos provocados na sociedade com o reconhecimento
legal desse tipo de união afetiva, sabemos que assim caminha a humanidade,
evoluindo ou decaindo entre erros e acertos. O tempo evidenciará, em
retrospectiva, qual teria sido a melhor solução para o assunto. Enquanto
isso, consola-nos a ideia de que o progresso dos seres fatalmente ajustará as
coisas, dado que reverses desse jaez estão previstos no planejamento divino
como eventos suscetíveis das ações do Espírito humanizado imperfeito, que
promove seu progresso servindo-se dos recursos compatíveis com o seu nível
evolutivo ou fazendo escolhas sem a devida reflexão de suas consequências no porvir.
Alan Kardec, ao tratar do progresso das civilizações, chamou atenção
para os riscos de escolhas que a sociedade faz sem suficiente maturidade:
A
civilização criou necessidades novas para o homem, necessidades relativas à
posição social que ele ocupe. Tem-se então que regular, por meio de leis
humanas, os direitos e deveres dessa posição. Mas, influenciado pelas suas
paixões, ele não raro há criado direitos e deveres imaginários, que a lei
natural condena e que os povos riscam de seus códigos à medida que progridem. A
lei natural é imutável e a mesma para todos; a lei humana é variável e
progressiva.[10]
Pietro Ubaldi, numa referência à compaixão que os avatares da instrução
sentem pelos que se demoram na faixa da ignorância, justifica que tais
desacertos, em meio às verdades universais, são temporários e corrigidos por
mecanismos naturais e automáticos ao longo da vida:
Não há
dúvida de que, para quem alcançou uma compreensão mais vasta, é um sofrimento
ver a inteligência, centelha de Deus, corromper-se em astúcias e enganos. Mas o
baixo uso dela se justifica, como sendo um meio para chegar a compreender a
inferioridade desses métodos e, assim, superá-los e abandoná-los.[11]
Assim, influenciado pelo véu que oculta os erros de direção cometidos no
passado e incapaz ainda de resistir aos ideais menos dignos que afloram na sua
mente, o Espírito que reencarna na Terra quase sempre procura criar sofismas
para manter a prevalência dos seus interesses imediatos, numa prova irrefutável
de quão vulnerável é seu pensamento e quão transitórias são suas deliberações.
Nesse sentido, nunca é demais ilustrar os vacilos de que são capazes alguns
indivíduos que, mesmo distanciados um pouco da faixa da ignorância intelectual,
veem-se embaraçados diante da necessidade de promover o equilíbrio entre o seu
senso intelectual e o moral, como foi o caso dos árbitros da suprema corte do
país que chancelaram ou reconheceram a união homoafetiva. Por isso, nessa
linha, julgo oportuno fazer breve relato de três casos reais que, a meu ver,
espelham bem o terreno movediço sobre a qual alguns Espíritos humanizados,
ainda que num alto pedestal de intelectualidade, sustentam seus juízos.
O primeiro caso nos faz refletir sobre a pseudoerudição de indivíduo que
o leva a construir um sofisma justamente pela falta de harmonia do seu
intelecto com a moral. Não raro, é devido a mentes envaidecidas pela aquisição
de vasto conhecimento, sem baliza moral, à custa de paixões desarrazoadas, que
a História das Civilizações amarga retrocessos. Não que a paixão seja de todo
negativa. Até certo ponto, ela cumpre seu papel enquanto motor que
impulsiona o progresso, pois é a partir dela que a crítica, filha primeira da
razão, lhe recepciona. Se, numa conjunção equilibrada, paixão e razão são
operárias da mente na edificação da vida, parece que a loucura é o vácuo que
denuncia a ausência de equilíbrio. No campo do raciocínio, existem os que
temporariamente são acometidos por esse breu neurótico, e é justamente nesse
intervalo obscuro que suas criações fogem dos padrões aceitáveis de
normalidade.
O protagonista desse primeiro caso, insigne ministro do Supremo Tribunal
Federal, togado nos idos de 1894, é indivíduo de inteligência dilatada, mas
assentada sobre estofo moral duvidoso que afirmou, na obra “O
Julgamento de Pilatos ou Jesus Cristo Perante a Razão e os Evangelhos”, que Jesus sofria de loucura. Exegeta, político, hábil na articulação
das ideias e das palavras, valeu-se de sua eloquência para ornar os devaneios
de sua mente e, quiçá, embalar, na gangorra da dúvida, alguma leva de gente. Ao
expressar seu pensamento, numa obra paradoxal e surreal, discorrendo sobre o
mérito da sentença de Pilatos imposta ao enviado de Deus, entendia que a
loucura de Jesus vicejou a paixão dos seus seguidores – com
fulcro na razão especulativa – e que a razão (prática), no
pensamento do jurisconsulto, deu causa de sua condenação por Pilatos.
Sabemos que essa visão tresloucada não traduz a realidade dos fatos ou da
personalidade de Jesus. Na análise do autor, o emprego da razão e da paixão se
reveza de maneira astuta, ambas em sentido pejorativo ou qualitativo, a
depender do enfoque ou do seu interesse. Ele, que atribui à loucura o sucesso
de Jesus e à razão o teor analítico e profundo do seu livro, se empenha, como
se depreende de pequeno trecho retirado de sua obra e transcrito abaixo, em
revelar as nuances das palavras razão, paixão e loucura, apenas para, num viés
malicioso, acomodá-las à sua interpretação, dar às suas palavras ares de
verdade e, assim, justificar a tese de que Jesus era acometido de loucura:
[...]
não é à razão, mas sim à paixão, e até mesmo à própria loucura, que na
realidade ou principalmente nós devemos quase todos os progressos que a
civilização tem feito [...] Com isto não pretendo dizer que é inteiramente nulo
o papel que à razão vem a caber na marcha da civilização. Pelo contrário, é
imenso esse papel, mas, para bem compreendê-lo, é preciso que se faça uma
distinção muito importante entre a razão especulativa, que anda por assim dizer
aos saltos, ou que, assim como o relâmpago, fugaz ilumina, deslumbra e passa, e
a razão prática ou o bom senso, que anda sempre compassadamente, ou que assim
como um pequeno farol, nos esclarece o caminho com mais ou menos segurança.[12]
O enunciado convence, se aplicado de modo genérico, mas, no caso
concreto, o jurisconsulto, ao escrevê-lo, o fez com propósito não muito digno,
qual seja, o de estabelecer uma ligação estreita entre os sintomas da loucura e
os atos da vida do Mestre. Movido por moral insípida e, embora com a presunção
de intelectualidade inatacável, não percebeu, na sua insensatez, que a verdade
não é a medida do seu alcance, mas o alcance da exata medida, a qual virá
somente com a perfeição. Daí a falibilidade do seu propósito, pois ao chamar a
atenção para o que ele considera como razão especulativa (dos cristãos) e razão
prática (a dele), na realidade, a paixão foi como comburente da sua análise,
uma vez que o bom senso nela se fez ausente e até convencerá o incauto,
possivelmente.
Espiando de relance sua autobiografia[13], a fé fragilizada, aliada a revezes que vivenciou na área
política, pode explicar em parte o motivo de sua racionalidade mordaz, pois
declarava o jurisconsulto, antes de escrever a obra, que sua índole era
essencialmente religiosa e que desde muito criança nunca passou uma só noite
sem que antes de deitar-se não se recomendasse a Deus e que, cheio do maior
ardor, não lhe dirigisse grande número de orações. No entanto, tendo se
agastado por questiúnculas, sentiu germinar a pouco e pouco no seu coração a
semente da dúvida. Resolveu, em meio ao vazio que lhe carcomia, escrever
algumas ‘variações’ ou delas extrair assunto qualquer, e entre tantas ideias
surgidas, cada uma se corporificava como disparates. Então, como ele próprio
sentenciou: “quem se afoga a tudo se agarra”, resolveu ligar todas em uma
só, recebendo dele o aplauso como a melhor ideia aceita: a loucura de
Jesus. Nasceu assim, nessa atmosfera vã ou nesse vacilo, obra que é o
substrato da ingratidão àquele que veio ao nosso mundo para auxiliar-nos a filtrar
as vis paixões de nossos sentimentos e iluminar nossas mentes com sua moral e
inteligência altruísta.
O Espírito humanizado
(encarnado), inexpressivo pela sua palidez moral e pretensamente assaz pela sua
inteligência, utiliza sua astúcia na defesa de sua vontade e não mede esforço
para que seu intento prevaleça a todo custo. Progride sempre, porém, na qualidade
de imperfeito, esquece que esse progresso é espiralado, falível e volátil.
Nesse contexto em que se chama atenção para as falibilidades humanas, afirmo
ser plausível, no atual estágio evolutivo do ser na Terra, a prematuridade em
reconhecer a união homoafetiva, posto que ela foi decidida por intelectuais
falíveis no campo moral.
Merecer mundos melhores requer
do criado o cumprimento às leis naturais do Criador. Se não estamos respeitando
a conduta apropriada ao mundo em que vivemos, com que direito nos candidatamos
a merecer mundos mais evoluídos, portanto mais felizes, se renegamos a
disciplina? Como legitimar ou brindar a conquista de um direito na Terra, se
esse mesmo direito é o que nega dever estabelecido pelo Legislador divino e infalível:
o de considerar as relações heteroafetivas como o mais adequado processo de
aprendizagem do Espírito humanizado, vez que lhe garante o conhecimento
inerente a cada gênero: vivido exclusivamente, um de cada vez, coadjuvado pelas
relações afetivas do gênero oposto. Leon Denis, sob os eflúvios de uma
consciência de mais larga compreensão da vida nos dois mundos, nos alerta
acerca da obediência aos preceitos divinos estabelecidos:
O Positivismo está na impossibilidade de
fornecer à consciência uma base moral. Neste mundo, o homem não tem só direitos
a exercer, tem também deveres a cumprir; é a condição iniludível de qualquer
ordem social. Mas, para preencher os deveres, cumpre conhecê-los; e, como
possuir esses conhecimentos sem indagar-se o alvo da vida, das origens e dos
fins do ser? [...] Com o estudo atento e minucioso da matéria, as escolas
positivistas contribuíram para enriquecer certos ramos de conhecimentos
humanos, mas perderam de vista o conjunto das coisas e as leis superiores do
Universo. Encerrando-se no seu domínio exclusivo, imitaram o mineiro que se
aprofunda mais e mais nas entranhas da terra, que aí descobre tesouros ocultos,
mas que, ao mesmo tempo, perde de vista o grande espetáculo da Natureza que se
mostra imponente sob os raios do Sol.[14]
O segundo caso a ser perfilado,
diz respeito a indivíduo que se esmerou em construir sofisma para justificar
seu apoio ao reconhecimento da união homoafetiva, mas, pela inconsistência do
seu fundamento, ele próprio percebera com o tempo, antes mesmo da decisão do
STF, que havia tomado direção equivocada. Essa mudança de postura é apanágio do
homem imperfeito que se norteia pela imperfeição de suas leis, afinal,
toda
lei é obra humana e aplicada por homem; portanto, imperfeita na forma e no
fundo, e dará duvidosos resultados práticos, se não verificarem, com esmero, o
sentido e o alcance das suas prescrições. [15]
Então, como eu já havia dito,
vem aí com intermitência em nossa mente a questão do alcance, enfatizando que a
verdade não é a medida do alcance do indivíduo, mas o alcance da perfeita
medida das coisas. O fato é que, após vários anos de estudos e pesquisas sobre
a homossexualidade, o protagonista desse segundo caso, fechado em sua convicção
de que o homossexual deveria ser livre para unir-se com a pessoa amada e de que
as uniões homoafetivas deveriam ser reconhecidas juridicamente, apoiou-se numa
vasta bibliografia jurídica e nas lições de estudiosos das mais diversas áreas
para embasar seus argumentos. Inclusive, valeu-se de trechos cânones da Bíblia
para afirmar que até do ponto de vista das Escrituras sua tese tinha respaldo.
Apesar desse árduo trabalho, do qual, segundo ele, recebeu elogios de juristas
respeitáveis, transcorrido não menos de um ano após a conclusão do seu sofisma,
reescrevera sua tese, pregando, agora, o oposto do que ele dissera antes,
apresentando interpretação reformada do caso, utilizando a mesma referência
bibliográfica, a fim de restabelecer a verdade, na tentativa de desfazer o
equívoco que cometera no passado, conforme explicou-se, com firme
arrependimento:
Assim como o apóstolo Paulo, o qual após uma
vida de perseguição aos cristãos passou a proferir a crença que antes combatia
abertamente, o autor, como fruto de uma profunda transformação sofrida por uma
real experiência vivida com Deus, sentiu a necessidade de rever seu
posicionamento jurídico a respeito do assunto. Desta forma, não negando que
anteriormente era um dos mais ferrenhos defensores da união homoafetiva, e sem
se esquecer dos argumentos jurídicos tão concisos e verdadeiros que trouxe para
defender sua posição, o autor irá demonstrar, com argumentos bíblicos e também
jurídicos, que seu anterior posicionamento, além de não condizer com as
verdades sagradas descritas na Bíblia, também podem ser afastados através de
argumentos jurídicos. [16]
Donde então irrompeu-se a magia
do reverso? Do bom senso e da fé, explicou-se. E também da lógica
jusnaturalista, presumo. Contradizendo posição anterior, combinando fé e razão,
agora ele divisa novo cenário para a questão da homossexualidade. Se as normas
por ele consultadas não foram o motivo de sua reforma, conclui-se que a mudança
de sua ótica operou-se no campo metafísico do seu entendimento, propiciando-lhe
interpretação diversa daquela feita anteriormente sobre o mesmo assunto e
servindo-se da mesma bibliografia. Vale citar, em socorro a esse cenário de
aparente paradoxo, o que veio a deduzir Gusmão, em sua obra, que o grande
jurisconsulto Paulo de Tarso, talvez compreendendo a particularidade do
direito, sustentava que “o
permitido pelo direito nem sempre está de acordo com a moral.”[17]
O terceiro e último caso
continua a enfatizar que a vulnerabilidade do pensamento humano também incide
nas faixas mais esclarecidas dos Homens quando, diante de questões de maior
vulto e de maior complexidade, se propõem a resolvê-la. Então, é digno de nota
o julgamento histórico do Supremo Tribunal Federal que decidiu, por
unanimidade, que as relações homoafetivas são consideradas união estável, como
estáveis são as uniões heteroafetivas, equivalendo-se, então, a entidade
familiar, tal como a constituída por um homem e uma mulher.
Apesar da unanimidade dos 11
ministros do STF na decisão do caso vertente, nutro a firme crença de que ela é
fruto do exercício do livre arbítrio, facultado pelo Magnânimo, mas que
naturalmente se ajustará, com o tempo, às prescrições divinas. A infalibilidade
dos desígnios de Deus me permite parafrasear um conhecido jargão: Deus escreve
sempre certo, nós é que entortamos as linhas e as letras, daí a imprecisão da
leitura e da interpretação que às vezes se faz do texto da lei e da vida.
Essa imprecisão parece refletir-se na interpretação forçada que os ministros da
suprema corte fizeram do dispositivo constitucional, pois, apesar de o texto
estabelecer claramente que “para
efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento” [18], posso arriscar uma dedução –
inspirado no pensamento de alguns críticos procedimentalistas – que eles
desviaram da letra, extrapolaram os limites da interpretação e criaram direito
para além das palavras do texto da carta magna, numa clara invasão da função
privativa do legislador. Deduz-se que os ministros, motivados talvez pela
pressão de um ativismo social, praticaram um ativismo judicial para que
a aplicação do texto não conduzisse a resultados “injustos” para a minoria em
questão.
Exemplificando a questão da
falibilidade humana, constata-se, dois
anos após a decisão, que o ativismo social pressionou os ministros do STF a prolatarem
decisão favorável á causa das relações homoafetivas. É o que se extrai da transcrição
de trecho do áudio de uma palestra dirigida a alunos do curso de Direito da
Universidade Federal de Santa Catarina, em 2013, na qual o ilustre professor de
direito e ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. Luís Roberto Barroso, ao discorrer
sobre “os casos difíceis e os grandes temas do direito constitucional
contemporâneo", assim comentou sobre o julgamento do caso das relações
homoafetivas:
“[omissis] A tese central era: qual é a
analogia mais próxima quando duas pessoas do mesmo sexo cometem a sua vida em
um projeto afetivo e de vida comum? Isso parece mais com uma sociedade de fato,
ou seja, como uma barraca na feira, ou isso se parece mais com uma união
estável? Parece que, sem preconceitos, não há dúvida razoável sobre essa
questão e foi esta a decisão do Supremo Tribunal Federal: legitimou as uniões
homoafetivas com uma surpreendente unanimidade. Não houve nenhum voto contrário
em uma matéria que não é tão pacífica assim. Isso... é ... tenho chamado
divertidamente de síndrome do troglodita: ninguém gosta de ficar mal na foto e,
portanto, naquele clima e naquele ambiente que se criou, o votar contra
significava estar do lado do atraso e ninguém se dispôs a fazer isso e eu
contabilizei [omissis] 7 (sete) votos claramente a favor [omissis] o voto
era a favor, mas, a linguagem corporal era totalmente contra. Quer dizer,
havia um desconforto, mas, às vezes a história se impõe, com um tal ímpeto, que
é muito difícil pará-la. É. Isso aconteceu [omissis], esta não é uma
questão tão pacífica... eu até gosto da decisão, mas, não era uma decisão
para ninguém no Supremo Tribunal Federal ter localizado a posição diversa. Essa
não é uma unanimidade na sociedade brasileira, portanto, é... novamente isso
foi um caso em que ninguém gostaria de passar pela pecha de racista, de
preconceituoso e, portanto, as pessoas se retraíram ali, que é um fenômeno
que se insere em outro universo que é da publicidade, televisão e do
papel da opinião pública nas decisões do Supremo [omissis]”
Rachel Nigro, artigo autoral, refuta que os ministros do STF, no julgamento
em relevo, tenham atuado como ativistas judiciais, porém, acredita que se
atuaram dessa forma, considera que sua decisão é exemplo paradigmático de “ativismo judicial legítimo”:
Os argumentos acima, segundo a
especialista em filosofia do direito, são mais bem-compreendidos a partir da
visão pragmática da filosofia da linguagem, que permite extrair as razões não
estritamente jurídicas que devem ser consideradas para demarcar os limites de
interpretação e da jurisdição constitucional. Em que pese minha
ignorância, penso que essa e outras fontes de justificativas são de fato
licenciosidades inesgotáveis para a sede de argumentos dos intérpretes.
Em toda norma feita pelo homem, essa fonte jorra com intensidade proporcional à
sede de clareza de seu enunciado ou à obstinação da defesa de seu
interesse. Veja que a própria Rachel Nigro afirma que, em nossa
Constituição, no que tange a essa fonte
de justificativas, no campo dos direitos humanos, não é menos fértil:
Bem se vê, pelo encarrilhado
até agora, que a exegese e a hermenêutica funcionam, às vezes, como
licenciosidades que dão asas ao raciocínio jurídico no sentido de libertá-lo,
no caso concreto, das amarras que o prendem ao comando original da norma. No estágio
evolutivo em que o homem ainda se encontra, o livre-arbítrio é uma faculdade
que amplia sua visão e sem ela seria impossível evoluir moral e
intelectualmente. No entanto, quando malversada essa faculdade e desvinculada
de um senso real de justiça divina, pode produzir atos apoiados em argumentos
duvidosos, como se verifica na decisão do STF, relativa à união homoafetiva, na
qual, a CF de 88, considerada a guardiã dos direitos e inviolável nos seus
preceitos, foi frontalmente desrespeitada, porquanto, a partir do seu
enunciado, criaram outro, exprimindo mensagem diversa daquela proposta pelo
constituinte.
Importante destacar que, em
análise de questão de grande importância axiológica para a sociedade, como a de
que agora me ocupo, há que se levar em conta os verdadeiros valores da vida,
que são aqueles que, transcendendo o espaço e o tempo dos mortais, novamente se
encontram numa outra dimensão, com pesos e medidas inalterados. Nesse ponto, o
livre-arbítrio revela a intenção de Deus em dotar o homem de faculdade de livre
expressão, no entanto, dada nossa imperfeição, essa liberdade é, repito, no
estágio em que vivemos, vigiada e limitada. À medida que progredimos de
forma equilibrada, na moral e no intelecto, essa liberdade é ampliada e
passamos a conquistar mais autonomia quanto à utilização do livre-arbítrio. Por
isso, devemos não perder de vista que a utilização dessa faculdade deve ser
feita de modo responsável, disciplinada e atrelada a um senso de justiça
imorredouro.
Na esteira das missões de cada
um, o jurista exerce grande responsabilidade quando se propõe a clarear a
consciência dos indivíduos ante os escuros das letras que se inscrevem no
caminho. Em face disso, eu não poderia encerrar essa parte da minha análise,
quando procuro chamar a atenção para a falibilidade das decisões humanas (no
tocante à prematuridade do propalado reconhecimento da união homoafetiva) e
enaltecer a infalibilidade dos desígnios divinos, sem apresentar, abaixo
(trecho longo, mas necessário), a sensata lição de Manuel Segura Ortega, citado
por Mártires Coelho, quando prega a importância do arbítrio judicioso, porém,
não abusivo, sem esquivar-se de elencar as razões dos opositores (grifei):
A infalibilidade dos desígnios de
Deus
Ao se falar em ótica divina ou quando aduzimos nossas ações a conduta
pautada nos preceitos divinos, revelamos, de modo involuntário e quase
imperceptível, que nossa própria consciência reclama a existência e a submissão
a um ser que nos seja superior em tudo. O que nos mantém imersos nessa
crença advém do fascínio – irresistível e inegável - que a colossal estrutura
do universo nos causa. A harmonia do conjunto, produzindo efeitos que influem
útil e inteligentemente em tudo que fazemos, é obra natural que denuncia a
existência do seu autor, irisa e seduz nossa alma com tal força e magia, que
não há neste mundo ninguém que sustenha seu encanto e duvide da magnitude de
quem é causa desse poder deslumbrante. Então, é a partir dessa panorâmica,
contagiado em verve indecifrável, na proporção de cada senso, que emerge em nós
o sutil desejo de reverenciar o Maestro desse grande concerto.
Com essa visão clara e segura, que nos guia sem medo e nos afasta da via
escura, a vida prossegue amparada na alta definição das lentes de Deus.
Onisciente e onipresente, o Arquiteto do nosso e de tantos outros mundos, com a
maestria de quem compõe o mais perfeito dos arranjos, faz de nós como que um de
seus instrumentos, a produzir acordes com a natureza e a entoar cânticos de
beleza, evolução e harmonia. Certos, assim, do seu amor e do seu auxílio,
fácil valorar nosso presente com a certeza dos benefícios no futuro.
A questão é que alguns ainda distam dessa certeza, por acanhado
raciocínio, ingratidão ou teimosia. Mentes há que duvidam e não se dobram ante
a verdade que se desdobra em incomensuráveis lições no grande livro da
Natureza. Leibniz, em suas inquirições, nos dá ideia disso quando discorre
sobre os questionamentos acerca da causa que deu origem à existência das
coisas:
[...]
importa agora elevar-se à metafísica, recorrendo ao grande princípio, comumente
pouco usado, o qual afirma que nada se faz sem razão suficiente; isto é, que
nada sucede sem que seja possível àquele que conhece assaz as coisas fornecer
uma razão suficiente para determinar porque é assim, e não de outro modo. Posto
este princípio, a primeira questão que se tem direito a fazer será: porque há
alguma coisa em vez do nada? Afinal, o nada é mais simples e mais fácil do que
alguma coisa. [...] É necessário, assim, que a razão suficiente, a qual não
carece de qualquer outra razão, resida fora da série das coisas contingentes e
se encontre numa substância que dela seja a causa, e que seja um Ser
necessário, possuindo em si a razão da sua existência; de outro modo, não se
teria ainda uma razão suficiente onde se pudesse parar. E esta razão derradeira
das coisas chama-se Deus.[22]
Não comporta no meu entendimento a ideia da funcionalidade e equilíbrio
do cosmos e de tudo que nele pulsa sem admitir a existência da direção superior
no comando. Com isso, ancorado na certeza inabalável de que Deus é a inteligência suprema, causa primária de
todas as coisas[23], que estabeleceu os
códigos soberanos para manutenção e coexistência harmônica entre a vida física
e a extrafísica, rogo aos que ainda negam essa direção, que atribuem tudo ao
acaso e a uma força cega, elevarem-se um pouco além da superfície de suas
concepções e enlevarem-se pelo testemunho de uma das grandes vozes da
sabedoria, quando nos conclama a ver com olhos de ver, a benfeitora utilidade
das coisas e dos seres, o encadeamento perfeito das ações e das reações, do
primeiro ao seguido ato, numa equalização perfeita:
Será possível que o vosso critério filosófico possa tomar a sério a
hipótese ridiculamente metafísica da pré-existência de uma ordem universal, sem
que houvesse um pensamento para concebê-la, uma inteligência para
compreendê-la, um olhar para contemplá-la e uma alma para amá-la? Pois quê!
Será essa Natureza, assim cega, inconsciente, escravizada, sem olhos de ver nem
coração de amar, que vai, num silêncio eterno, tecendo a malha divina de tudo o
que existe? Temo-la então, a cega Natureza originando sem o querer, nem saber,
uma harmonia, até que finalmente, da base ao cimo do cosmos, como filho da cega
fatalidade, surja o homem para ouvir a harmonia que não fêz, e tomar
conhecimento dessa ordem que não procede dele, porque lhe precede! [24]
Quando olhamos à nossa volta e analisamos os fatos, sondando os sistemas
dos micros em sintonia com o dos macros, percebemos que nada vive a esmo, pois
tudo obedece a um comando inteligente. Visto isso, em que bases negar a
prodigiosa Lei Natural, se a falibilidade de nossos sistemas ao cadafalso nos
leva e nos condena? Como insistir em negá-la assim, se a infalibilidade dos
desígnios de Deus agiganta sua Lei e o nosso frágil argumento nos apequena?
Insurgir-se contra o Criador e insistir em tal propositura é padecer num
ridículo que só a imaturidade e o orgulho podem conceber.
Quando numa incursão meticulosa avançamos na particularidade de um
microrganismo, descobrimos nele outros mundículos, a partir dos quais nossa
visão limitada nada mais registra. Transpassando a massa do primeiro, sem tê-lo
de todo conhecido, deparamo-nos com a massa de outro microrganismo e assim por
diante. Em sentido oposto, quando avançamos em excursão pela vastidão do
macrocosmo, após percorrer a maior distância possível, deparamo-nos, por
exemplo, com a exuberante estrela VY Canis Majoris, 50 vezes maior que o Sol,
comparado à qual nosso astro rei parece um grão de areia. E aqui estamos
nós, na Terra, iluminados por ele, mas iludidos pela vaidade do que já sabemos,
esquecendo, vesgos pelo nosso orgulho, de quantas dízimas tem a fração da parte
que representa nossa massa, comparado a esse mesmo grão, o astro rei.
Apesar desse estupendo aparato sideral, cercados por esse turbilhão
incognoscível de seres e de coisas, alguns ainda insistem em não reconhecer
Deus como sendo o artesão de tudo e transgridem suas Leis, para que elas se
conformem aos interesses imediatos, quando deviam, isto, sim, insistir em
conhecê-las melhor, entender a mecânica de suas ações e a utilidade
providencial de suas reações, para em seguida, inspirados na infalibilidade
delas, aperfeiçoarem nossas leis, em razão de ainda vivermos a infância do
intelecto e da moral e carecermos do auxílio do Criador para guiar-nos durante
o desenvolvimento de nossas faculdades. Leon Denis, fascinado pela exuberância
da Natureza e cônscio da infalibilidade dos desígnios de Deus, sentencia:
A
ordem universal reinante na Natureza, a inteligência revelada na construção dos
seres, a sabedoria espelhada em todo o conjunto, qual uma aurora luminosa e,
sobretudo, a universidade do plano geral regida pela harmoniosa lei da
perfectibilidade constante, apresenta-nos, já agora, a onipotência divina como
sustentáculo invisível da Natureza, lei organizadora, força essencial, da qual
derivam todas as forças físicas, como outras tantas manifestações particulares,
suas. Podemos, assim, encarar Deus como um pensamento imanente, residente
inatacável na essência mesma das coisas, sustentando e organizando, ele mesmo,
as mais humildes criaturas, tanto quanto os mais vastos sistemas solares, de
vez que as leis da Natureza não mais seriam concebíveis fora desse pensamento,
antes são dele eterna expressão. Esta convicção, adquirimo-la no exame e
análise dos fenômenos da Natureza.[25]
Cumpre aqui anotar que a breve alusão ao microcosmo e ao macrocosmo
intencionou, é evidente, teve a finalidade de extrair desses dois organismos
complexos, apenas a visão essencial do que necessito para medir nosso valor e
nossa posição em relação ao universo. Portanto, do que foi dito, o essencial é
que fique patente o esplendor do universo como prova cabal da autoridade, da
influência e da arte do Criador sobre nossas vidas, para que não tenhamos
dúvidas de que nosso estágio evolutivo nos coloca muito distantes da capacidade
de alterar Seu plano, no que se refere à missão do Espírito na Terra, na
condição de homem e de mulher, e não nos credencia a estabelecer relações
afetivas que nossa índole moral ainda não nos capacita.
Importante lembrar que fomos criados à imagem de Deus, não no sentido
material, uma vez que não se pode conceber a imagem do inimaginável, mas, isto
sim, no sentido intencional de sua expressão superior, consignada no bem, na
justiça e no amor. Por isso, é mais adequado e preciso afirmar que fomos
criados à sua semelhança, vez que os atributos da criação jamais se confundem
com os do Criador. Este é perfeito, aquele, perfectível. Em sendo
atributo do homem a perfectibilidade, é seu dever assumir, enquanto não estiver
de posse de todo o conhecimento moral e intelectual, que é passível de falência
em suas deliberações.
Infelizmente, a mais alta corte de justiça do nosso país, o STF, a
despeito de sua missão institucional, não resistiu ao calor do emocional e
sucumbiu diante da pressão social, quando deliberou que as relações
homoafetivas (união entre indivíduos de mesmo sexo), para efeitos de proteção
do Estado, são equiparadas às relações heteroafetivas (união entre indivíduos
de sexos opostos), numa inegável afronta, não somente aos preceitos da
Constituição, que elegera claramente o homem e a mulher como sendo
constituintes da união familiar estável, mas também uma afronta à Lei Natural
instituída por Deus.
Alinhado à indelével assertiva de que o homem é perfectível, logo
passível de falências em suas deliberações e de que Deus é perfeito, portanto,
infalível nos seus preceitos, afirmo que é nosso dever cumprir com o nosso
papel de aprendizes e ouvir as sábias vozes dos céus que, condoídas pelo nosso baixo
estágio evolutivo espiritual, vêm em nosso auxílio, na Terra, com o fim de nos
sensibilizar quanto à manutenção dos valores reais da vida nos dois planos - o
físico e o extrafísico. Os Espíritos superiores, que são as vozes do céu,
abdicando do paraíso que conquistaram, vêm até nós, servindo-se dos médiuns,
convencer-nos de que nossa conduta deve ter caráter universal, experientes e
convictos de que essa não é nossa única existência neste mundo e de que ela
deve cingir-se da mais sublime missão: desenvolver nossas faculdades latentes
rumo à perfeição, rumo à felicidade inextinguível. Essa felicidade não é a
imediata, nascida dos critérios temporários, mas é a que resiste às
intemperanças da vida corpórea e subsiste na vida de além-matéria.
As duas faces da vida e suas
vinculações
Quando se fala em vida, mais que vivê-la, importa saber
interpretá-la, perscrutar seu significado e sua utilidade no presente. Tão logo
os refletores do palco terrestre tirem de cena o Espírito que anima o corpo,
importa igualmente saber que desdobramentos sua vida terá além, pois, conforme
adverte um Espírito de escol, “a existência humana é como precioso tecido de que
os olhos mortais apenas enxergam o lado avesso”[26]. Partindo desse aforismo, parece indispensável que se analise a
questão homoafetiva na dimensão que ela exige, sob a lupa metafísica, pois,
quando se fala em mudança de comportamento, seja individual ou coletiva, é
razoável, senão prudente, que antes de sua adoção convém saber precisamente
suas implicações em qualquer ambiente (físico ou extra físico) em que transita
o Espírito.
Sem considerar a sobrevivência do ser após a morte do corpo físico, a
análise do assunto em destaque – as relações homoafetivas – perde o sentido,
pois, se não houver nada após a morte biológica, a conduta é uma, se houver
algo além, a conduta será outra. Se nada houver do ‘outro lado’ desta
vida, nada se fará aqui pensando na outra, daí, vale tudo na vida atual. Em
contrário, se algo nos reserva ao descerrar-se o véu que oculta a vida que
lateja em outra dimensão, a conduta de agora influenciará certamente a vida
futura, seguindo-se daí o respeito aos bons regramentos divinos.
Pensar que não há vida do lado de ‘lá’, é admitir que Deus cria os
Espíritos, os introduz no planeta Terra – sob as vestes de homem e de mulher –
e, após longo tempo de pesado labor, tão logo cesse a vida celular de seus
corpos, extingue-os. Ou, em admitindo a
sobrevivência deles e não sendo importante o modo como se comportaram, sejam
igualmente purificados, dispensados da apreciação do mérito de suas ações,
ignorando se foram ricos ou pobres, felizes ou sofredores, bons ou maus,
laboriosos ou ociosos. Atribuir tal juízo ao Magnânimo, é querer
humanizá-lo, torná-lo imperfeito, logo, falível. Se houver essa concepção
mesquinha atribuída à figura de Deus, certo é que se fala de outro ser, não
daquele que se expressa com infinita bondade, inabalável justiça e
incomensurável amor à sua criação.
A condição de imperfeito e imortal, atribuída ao Espírito, o faz
dependente de várias incursões nesta vida e desta para aquela, com o objetivo
de continuar seu aprendizado até alcançar o mais alto grau de refinamento de
suas faculdades morais e intelectuais. Disso, extrai-se que os valores
intelectuais, morais e éticos, seguem-no. Fosse diferente, a cada renascimento
ele teria que recomeçar tudo do zero, de nada adiantaria angariar conhecimentos
nas escolas e inócuo seria educar os sentimentos nos templos religiosos.
Nessa linha de sucessórias vivências, urge que não desperdicemos tempo
com adoção de comportamento que não esteja adequado ao que foi planificado por
Deus. Fugir dos preceitos divinos equivale a somar infortúnios derivados da má
arbitragem da liberdade que nos foi confiada. Retornar ao ponto de onde
se desviou do caminho é sempre complicado, demorado e doloroso. Isso porque uma
única existência na Terra é período muito curto para alguém corrigir tantos
erros, tantas mazelas, ou para alguém concluir grandes projetos ligados às
diversas áreas do conhecimento humano. Se somos iguais porque carregamos
em nós os germens do intelecto e da moral, somos diferentes por não termos
conseguido galgar, em face das diferentes escolhas ao longo da caminhada, os mesmos
níveis de desenvolvimento simultaneamente. É certo que “ninguém
atingirá o porto da dignidade espontânea sem viajar, por longo tempo, nas
correntes da vida, aprendendo a manejar o leme da disciplina.”[27]
Somente à custa de muito tempo, trabalho e disciplina é que poderemos
alcançar o grau de progresso a que chegou Sócrates, como expressão do
intelecto, Madre Tereza de Calcutá, como expressão da moral, ou, correndo a
escala de progresso a uma velocidade superior, apenas para espiar quem está
quase em seu topo (pois no topo está Deus), chegaremos ao modelo mais exato da
perfeição que é Jesus, íntegro em moral, intelectualidade e amor. Nunca é
demais citar Albert Einstein e Adolf Hitler no que respeita a seus potenciais e
às escolhas que fizeram. Apesar de ambos terem alcançado nível intelectual
considerável, sabemos que apenas o primeiro direcionou os seus saberes em prol
da humanidade, enquanto o segundo, em prejuízo dela. Considerando a continuidade
da vida, cabe oportuna indagação: haveria justiça se ambos, Einstein e Hitler,
a considerar pelas escolhas que fizeram, sejam justapostos ao mesmo pedestal?
Seria racional que, contrariando a lógica do modelo de progresso, justiça e
amor ensinado pelo maior dos evangelistas, fosse atribuído às ações de ambos o
mesmo valor dedicado à dos missionários que, ao longo de suas vidas, se
dedicaram a promoção do bem comum? Seria cabível a arguição de que agora, tendo
se extinguido a vida física, aquilatar valores na vida espiritual perdeu a
importância, em face da singularidade de sua dimensão? Penso que seria mais
condizente com a realidade admitir que, sendo o Espírito imortal e tendo ele
sequência natural, cada um deles, Einstein e Hitler, recebam, eles próprios, os
benefícios ou malefícios que suas obras podem proporcionar. Ou seja, dar a cada
um segundo suas obras, o que é mais condizente com as Leis divinas. André
Luiz nos ensina que:
[...]
quando se despedem do mundo, os homens, quaisquer que sejam, chegam aqui como
são... Porque hajam desencarnado, o louco não adquire o juízo, de um dia para
outro, nem o ignorante obtém a sabedoria por osmose. Depois da morte, somos o
que fizemos de nós, na realidade interna [...][28]
Ante a eternidade do Espírito e a evidência da multiplicidade de suas
existências, aliado ao fato de que as aquisições morais e intelectuais são suas
joias inalienáveis, torna-se indispensável examinar a homossexualidade
vinculada aos saberes ou pendores conquistados em vidas passadas pelo Espírito,
a fim de melhor compreendermos e mitigarmos os conflitos gerados pela expressão
da homossexualidade na sociedade e no seio da família. Num planeta habitado por
seres imperfeitos, subverter os valores é a característica mais comum entre
eles. Então, sendo todos nós componentes desse ambiente comum, convém lembrar
que o evangelho de Jesus nos ensina que para transformar nosso mundo em
ambiente mais evoluído, é imprescindível que transformemos primeiramente a nós próprios,
amando e seguindo os nobres ditames de Deus, bem como amando nosso próximo,
dedicando-lhe respeito, indulgência e auxílio contínuos, tal como se ele fosse
nós próprios. Não é sem razão que os Espíritos superiores nos aconselham: “Amai-vos,
eis o primeiro ensinamento. Instruí-vos, eis o segundo.” [29]
As duas faces do sexo e a universalidade das relações
Mantendo a linha de raciocínio
desse ensaio, focada na análise transcendental do assunto, creio não ser
relevante listar as gradações da homossexualidade catalogadas pelos estudiosos
do assunto, visto que suas definições estão difusas na literatura sexológica.
Por essa razão, ater-me-ei a explicitar, isto sim, as causas dos desvios
comportamentais que têm origem no sexo, para que o leitor delas extraia as
deduções que julgar mais acordes com sua visão.
Convém apenas observar, antes
de tudo, que a literatura convencional sobre o estudo do comportamento humano,
em especial sobre a que se especializa no sexo, produzida pelos mais renomados
estudiosos, demonstra sempre visão unilateral, portanto, incompleta, vez que
suas análises se circunscrevem às relações afetivas vividas apenas neste mundo,
sem estabelecer seu devido vínculo com as vidas antecessoras e sucessoras.
Sobre a incompletude desses estudos, André Luiz ressalta:
Quanta riqueza psíquica, suscetível de
conquista, se os pesquisadores conseguissem deslocar o centro de estudo, das
ocorrências fisiológicas para o campo das verdades espirituais![30]
Ao referir-se, por exemplo, à
grande contribuição de Freud à psicanálise, assim se manifestou:
[...] se a psicologia analítica de Freud e de
seus colaboradores avançou muito no campo da investigação e do conhecimento,
resolvendo, em parte, certos enigmas do psiquismo humano, falta-lhe, no
entanto, a chave da reencarnação, para solucionar integralmente as questões da
alma. Impossível é resolver o assunto em caráter definitivo, sem as noções de
evolução, aperfeiçoamento, responsabilidade, reparação e eternidade.[31]
Freud vislumbrou a verdade, mas toda verdade
sem amor é como luz estéril e fria! [32]
Discutindo a problemática do
sexo e da sexualidade, desconexa da visão metafísica, vale citar os filósofos
Alfred Kinsey e Michel Foucault, para os quais os vieses afetivos resultam do
exercício normal do direito à livre expressão do sexo. Em seus estudos e
pesquisas, Focault procurou manifestar seu desejo de afastar da ‘realidade’ os
desejos interditos, secundar a atividade sexual fecunda, defender a necessidade
de insubmissão à moral e afirmar os prazeres paralelos e imediatos,
descompromissados com as noções de evolução, aperfeiçoamento, responsabilidade,
reparação e eternidade.
Não é sem razão que o
afrouxamento dos laços de família verificado atualmente se deve, em parte, à
revolução sexual que transgride as regras, fragmenta o amor e segrega a
sociedade. Aliás, esse é o perfil da sociedade individualista retratada pelo
sociólogo Sygmunt Bauman em sua ‘Modernidade Líquida’. O coletivismo, segundo
ele, é a opção de indivíduos incapazes de se autoafirmarem com seus próprios
recursos. Afirma, para que ninguém se engane, que a individualização é uma
fatalidade, não uma escolha, feito que os indivíduos da era líquida, não
atribuem a si a missão de levar a luz ou de reformar os modos da sociedade.
Alerta, no entanto, que a sociedade liquefeita goza de liberdade sem
precedentes para experimentar, mas, ao rejeitar a assunção de responsabilidade
por suas ações, a individualização que objetiva a autossuficiência do indivíduo
pode ser factível ou ilusória, e pode cobrar alto preço de quem tem a coragem
de escolhê-la:
[...] se o egoísmo, fantasma que atormentou a
espécie humana em todos os períodos de sua história, ’seca as sementes de todas
as virtudes’, o individualismo, aflição nova e tipicamente moderna, seca apenas
’a fonte das virtudes públicas’; os indivíduos afetados estão ocupados ’criando
pequenos grupos para seu próprio desfrute’ e deixando a ’sociedade maior’ de
lado.[33]
Então, nota-se com essa visão
de Bauman, em cotejo com o pensamento de Focaut, que há encadeamento histórico
na sequência de lições em favor da liberdade de qualquer tipo de expressão ou
da criação de toda ordem de direitos. Dado que o sexo respira cada vez mais
aliviado ao distanciar-se da sujeição de poder que insiste em freiá-lo, Focaut
indaga:
O que significa o surgimento de todas essas
sexualidades periféricas? O fato de poderem aparecer à luz do dia será o sinal
de que a regra perde em rigor? [34]
Certamente! A difusão de
trabalhos como os que ele produziu, que asfixiaram as regras em apoio à livre
expressão da sexualidade, baseada no direito incondicional à fruição do prazer,
em vez de iluminar os pontos obscuros da homossexualidade, maculou o sentido
real do sexo. Esse filósofo entusiasta, que oscilou nas faixas tênues da
verdade e da ilusão, obstinou-se em desvendar a que veio o sexo, porém, da
leitura de sua ‘História da Sexualidade’, nota-se que apenas colheu fragmentos
da verdade:
O sexo, essa instância que parece dominar-nos,
esse segredo que nos parece subjacente a tudo o que somos, esse ponto que nos
fascina pelo poder que manifesta e pelo sentido que oculta, ao qual pedimos
revelar o que somos e liberar-nos o que nos define, o sexo nada mais é do que
um ponto ideal tornado necessário pelo dispositivo de sexualidade e por seu
funcionamento. [35]
Ele entende o sexo como um
ponto no corpo insculpido pela natureza, servindo de luz intermitente para
anunciar a manifestação dos desejos e da sexualidade. Não entrever nesse ponto
o que é claro como as estrelas: o sexo é um dos alvos no qual o divino assenta
seu amor, a fim de burilar quem por ele é atraído e de fazer com que a vida de
alguém com ele pareça um templo de esplendor. O sexo, na ordem das missões
divinas, não é apenas um ponto de referência na fisiologia sexual para a
manifestação da sexualidade, é, sobretudo, um feixe de energia sagrado,
poderoso e multifário, necessitando de maior entendimento acerca de sua ação na
vida do Espírito humanizado. Focaut não admite no sexo essa transcendência, mas
admite nele a produção de efeitos de natureza diversa daquela que se conhece: “A natureza colocou no ser humano essa força
necessária e temível sempre pronta a ir além do objetivo que lhe foi fixado.” [36]
Michel Focaut não percebe que o
‘além’ que as forças do sexo fixam o convida a mirar dimensão na qual
parece não acreditar: a vida além desta vida. Em suas citações há sempre
lições subliminares que, embora o contexto em que são abordadas versam sobre o
sexo em si, as palavras que ele usa para formulá-lo, parecem carregar
inconsciente místico, sugerindo uma compreensão da sexualidade no campo
metafísico. Mas seus sentidos obtusos, ligados às concepções telúricas, não lhe
permitem ir além do raio traçado pelo seu foco pessoal. Quando cita, por
exemplo, a personagem Kate, da obra de D. H. Lawrence: The Plumed Serpente, a
propósito de sua frase: “Como o
sexo pode ser belo quando o homem o mantém poderoso e sagrado e quando ele
preenche o mundo. Ele é como sol que vos inunda, que vos penetra com sua luz, [37] mostra-se insensível ao aspecto metafísico da mensagem subliminar. É
talvez o caso, também, de quando fala do ato sexual, do ponto de vista da
fisiologia, pois, nota-se que suas palavras o traem, eivadas que são do
pensamento que resiste ao extrafísico, mas, sem que ele perceba,
involuntariamente transcende o alcance que ele quer delimitar:
O ato sexual arranca do corpo uma substância
que é capaz de transmitir a vida, mas, que só o transmite porque ela própria
está ligada à existência do indivíduo e carrega em si uma parte dessa
existência. [...] Em toda emissão espermática existe qualquer coisa que sai dos
mais preciosos elementos do indivíduo e que lhe é subtraída. [38]
Embora em alguns momentos sua
linha de raciocínio se eleve para decifrar o que ele chama de “movimentos contraditórios da alma” [39], aludindo à prática da moral,
o brilho de sua obra esmaece ante a restrição que ele impõe ao objeto de sua
pesquisa. Atendo-se, como ele dissera, à tarefa de evidenciar alguns elementos,
durante a Antiguidade, que poderiam servir para uma história da verdade, “uma história que não seria aquela do que poderia
haver de verdadeiro nos conhecimentos”,[40] apenas evidenciou, na lenta formação de uma “hermenêutica
de si”, mais perguntas para mais reflexão:
O que
na ordem da conduta sexual parece, assim, constituir para os gregos objeto da
reflexão moral não é, portanto, exatamente o próprio ato (visto sob as suas
diferentes modalidades), nem o desejo (considerado segundo sua origem ou
direção), nem mesmo o prazer (avaliado segundo os diferentes objetos ou
práticas que podem provocá-lo); é sobretudo a dinâmica que une os três de
maneira circular (o desejo que leva ao ato, o ato que é ligado ao prazer, e o
prazer que suscita o desejo). A questão ética colocada não é: quais desejos?
Quais atos? Quais prazeres? Mas: com que força se é levado pelos prazeres e
pelos desejos? [41]
Prosseguindo o exame da história da sexualidade, ao tratar do direito
soberano da vida e da morte, Focaut traz a lume uma sentença de Samuel
Pufendorf, a qual afirma que
Da
mesma forma que um corpo composto pode ter as qualidades que não se encontram
em nenhum dos corpos simples da mistura de que é formado, assim também um corpo
moral pode ter, em virtude da própria união das pessoas que o compõem, certos
direitos que não revestiam formalmente nenhum dos particulares e que cabe
somente aos mentores exercê-los [42].
Com essa sentença, quis fazer paralelo entre o novo ser jurídico que
nasceu da particularidade e o novo ser jurídico que nasceu da homossexualidade.
Apesar de ele apreciar esse conceito, prefere equacionar a problemática da
sexualidade com proposição simplista:
Para
dizer as coisas de modo bastante esquemático: temos tendência hoje em dia a
pensar que as práticas de prazer, quando ocorrem entre dois parceiros do mesmo
sexo, implicam um desejo cuja estrutura é particular; mas sustentamos – se
formos “tolerantes” – que isso não constitui uma razão para submetê-la a uma
moral ou, ainda menos, a uma legislação, diferente daquela que é comum a todos.
O ponto de interrogação, nós o colocamos sobre essa singularidade de um desejo
que não se dirige ao outro sexo; e ao mesmo tempo afirmamos que não se deve
atribuir a esse tipo de relação um valor menor nem reservar-lhe um status
particular. [43]
Se a assexualidade é inerente à natureza do Espírito, nada há que se
opor à opinião de Focaut quando afirma que a estrutura psicológica do
homossexual não difere da heterossexual. Contudo, se é verdade que ambos são da
mesma natureza, posto que são Espíritos, não se pode esquecer que ambos são
dotados de particularidade bastantes visíveis, em função da riqueza ou da
pobreza de conhecimento de cada um, quando expressam seus desejos ou anseios de
modo geral. Os gregos não realçavam as diferenças de comportamento dos
homossexuais, mas acreditavam que ignorá-las não contribuía para o entendimento
do seu modo de ser. Daí o maior interesse em descobrir "com que
força” se é levado por desejos desse
jaez, em vez de se deter “no modo como são expressos”. Esse ponto é pacífico na compreensão dos filósofos da Antiguidade e é
relatado pelo próprio Focaut:
Os
gregos não imaginavam que um homem tivesse necessidade de uma natureza “outra”
para amar um homem; mas eles estimavam sem hesitar que, para os prazeres
obtidos numa tal relação, era necessário dar uma outra forma moral que não
aquela exigida quando se tratava de amar uma mulher. Nessa espécie de relação
os prazeres não tratam, naquele que os experimentava, uma natureza estranha,
mas seu uso exigia uma estilística própria.[44]
Considerando que é assimétrico à proposta deste ensaio o enfoque que
Michel Focaut deu ao assunto em lide, retomo a ordem do meu ponto de vista,
embasado nas orientações psicografadas pelas nobres almas residentes em planos
superiores da esfera extrafísica, para enfatizar, em aliança com a
multiplicidade das existências do Espírito, a missão do sexo, bem como
esquadrinhar as possíveis causas dos desvios ou perversões sexuais cometidos
pelo Espírito que está temporariamente na Terra investido na condição de homem
ou de mulher.
Um modelo de família que se
autoextingue
A vida integral do Espírito, desatrelada dos liames do corpo
físico, não depende de acessórios constituídos de matéria grosseira para
expressar suas ações. Sendo assim, estando num ambiente de vibrações
quintessenciadas, os instrumentos imediatos de que ele se serve para a
realização de seus projetos são o pensamento, o sentimento e a vontade. Na área da afetividade, por exemplo, é estéril
a ideia de fazer opção por um gênero (feminino ou masculino), porquanto esse é
um meio existente e útil apenas na Terra, logo, inócuo no mundo espiritual. A
exceção disso ocorre quando Espíritos menos evoluídos insistem em conservar no
mundo espiritual preferências que os apraziam na Terra ou, quando o desapego à
vida terrena é feito de forma transitória, apenas necessitam de um breve
período para adaptarem-se ao novo ambiente vibratório.
Por meio da reencarnação, facultada pela relação sexual fecunda dos
Espíritos que já estão na Terra, o Espírito que se encontra no mundo espiritual
ingressa no planeta para desenvolver suas potencialidades intelecto-morais. Seu
tempo de permanência vai depender da complexidade ou facilidade das tarefas que
lhe são atribuídas. Todo o processo que antecede a procriação é exercício da
manutenção das relações sociais e afetivas, por meio das quais são
desenvolvidas a inteligência e a moral. A instituição dos gêneros (humanos) e a
materialização dos corpos são coadjuvantes de progresso na Terra:
O indivíduo homoafetivo, que sabe tão bem o que sente, mas pouco sabe de
si no contexto do universo, deve primeiramente instruir-se para depois extrair
do lícito o que realmente convém. Convém, a princípio, não perder de
vista que, tendo Deus criado na Terra os gêneros homem e mulher, mister que
seja mantida fidelidade à vontade do Criador, no que tange à necessidade do
Espírito de adequar sua psicologia às linhas inteligentes de sua biogênese.
Essa postura de submissão à Inteligência Suprema (que não se confunde com
subserviência cega) e a necessária compreensão dos seus desígnios, demonstram a
reverência digna de quem anseia e tudo faz para merecer o paraíso prometido,
consubstanciado na perfeição própria de mundos evoluídos. Nesse sentido,
entender o sexo e a sexualidade como expressão sagrada, merece realce frente às
tarefas sublimes atribuídas a nós por Deus:
O
Sexo, em si mesmo, é instrumento excretor, a serviço da vida. Programado pela
Divindade para servir de veículo à “perpetuação da espécie” nos seres pelos
quais se expressa, tem sido gerador de incontáveis males, através dos tempos em
face do uso que o homem, em especial, lhe tem dado. [...] No atual estágio
evolutivo do planeta terrestre, o ato sexual faz-se acompanhar de sensações e
emoções, de modo que propiciem prazer, facultando o interesse entre os seres, e
assim preenchendo a destinação a que se encontra vinculado. [...]
Simultaneamente, devemos considerar que, em sua realidade intrínseca, o
Espírito é assexuado e sem preferência ou psicologia específica para uma ou
outra experiência na organização física. Por esta razão, a própria vida
elaborou formas que se completam em favor da função procriativa. Ao lado
dessas, em se considerando o incessante progresso dos homens, na busca da
felicidade, os ideais lentamente vão suprindo, na área das emoções superiores,
os prazeres que decorrem das sensações mais fortes.[...][46]
Chegar ao ápice da perfeição requer a prática disciplinada das magnas
prescrições do Criador. A natureza organizou a conjunção dos sexos para
assegurar a descendência dos indivíduos e a sobrevivência da espécie na Terra,
mas essa é apenas uma das luzes que clareiam as verdades eternas. A
atração e o prazer, de modo geral, são dádivas divinas que incentivam a
associação dos seres num ideal de fraternidade e amor universal. Somente após
muitos renascimentos circunscritos à heteroafetividade, vivenciando as
peculiaridades de cada gênero, ora na condição de mulher, ora na de homem, é
que o Espírito pode habilitar-se a expressar sentimentos nobres, sem a
dependência dos característicos femininos ou masculinos, tal como ocorre nas
faixas mais evolvidas do mundo espiritual.
De súbito relance, quiçá sob obra da intuição, desponta na minha mente
assombroso receio, pipocando em indagações. Acaso não percebem os entusiastas
desse novo modelo familiar que a relação que não fecunda pode, sem a renovação,
assistir ao envelhecimento dos indivíduos, assistir até ao seu gradativo
desaparecimento da esfera terrestre, já que sem a presença das crianças,
diamantes dos amantes, um vazio se constituirá em solo fértil para o cultivo da
depressão, dor que enferruja a alma e infelicita tanta gente? Não imaginam,
caso a letargia de suas consciências lhes impeça de perceber a sombra que se
aproxima e quão opaco será o jardim das relações e da vida sem as cores que aos
nossos olhos o sorriso de uma criança sugere? Quem suportará a monotonia dos parques
sem as travessuras infantis? Alguém ousa discordar da magia que se opera em
nós, diante do chorinho de um bebê, a tal ponto de ela nos fazer curvar ao seu
apelo sonoro, em atos de amor e incomensurável desvelo? A paixão cega e furtiva sempre revela seu lado sombrio no
horizonte de suas ilusões. Entretanto, a vida incumbe ao tempo a tarefa de descerrar
o pano espesso da ignorância humana para dissipar o véu que encobre as
verdades, algumas vezes sob o elixir do amor, outras vezes sob as lições da dor.
Os desalinhos não são características exclusivas de quem se demora na
homossexualidade, mas da imperfeição do Espírito. Desatinos de toda ordem podem
ocorrer tanto nas relações heteroafetivas quanto homoafetivas, contudo, se as
relações heteroafetivas são geradoras de ilusões tantas, infere-se que as
relações homoafetivas são como farpa a mais a arranhar a felicidade
futura da alma. Por isso, a prudência recomenda que tudo transcorra conforme o
planejamento divino, o qual estabeleceu para cada Espírito missões compatíveis
com a estrutura do mundo onde vive. Se ainda não é possível na Terra um
Espírito humanizado manter relação de afetividade com outro de mesmo
gênero, baseada em sentimentos que dispensam o concurso do sexo, então os
Espíritos humanizados que se deixam enlear por relações fora dessa
característica se arvoram a pular etapa importante na evolução da humanidade e
que, não vivenciada adequadamente, influenciará de modo negativo as etapas
subsequentes de aprendizagem, uma vez que esta não contará com os conhecimentos
facultados somente por àquela. Tudo a seu tempo. Leibniz já anunciava que não
há movimentos bruscos na natureza. E não existem porque a natureza não dá
saltos. Portanto, é sabido que tanto na natureza física quanto na
espiritual, o respeito ao passo a passo de suas construções é fundamental para
sua completude e precisão. É, pois, nesse pensamento que Emmanuel chama
atenção para o fato de que não se pode tirar de um recipiente o que nele ainda
não existe:
Os
tesouros da Ciência e as alegrias da compreensão humana, as glórias da arte e
as luzes da sublimação interior são acessíveis a todas as criaturas. No
entanto, do rio de graças da vida, cada alma somente retira a porção de
riquezas que possa perceber e utilizar proveitosamente. [...] Recorda que Deus
a ninguém dá seus dons por medida, contudo, cada alma traz consigo a medida que
instalou no próprio íntimo para recepção dos dons de Deus.[47]
O universo, condomínio que reúne vários centros de aperfeiçoamento
do Espírito, que são as várias moradas criadas pelo Pai, proporciona abrigo
adequado a cada morador, condizente com sua faixa de conhecimento e com seu
programa de desenvolvimento. Cabe conhecer o abrigo onde se reside,
compreendê-lo, respeitá-lo e aprimorá-lo, não simplesmente mudar o que foi
sabiamente estruturado pela Inteligência Suprema, numa nítida fuga ao
cumprimento dos deveres estabelecidos. Frize-se que “todo
homem tem na Terra uma missão, grande ou pequena: qualquer que ela seja, sempre
lhe é dada para o bem; falseá-la em seu princípio é, pois, falir ao seu
desempenho.”[48]
As dificuldades de adaptação ao
gênero
As experiências vividas, num e noutro gênero, permanecem gravadas no
subconsciente do Espírito. Ao reiniciar nova etapa de vida na Terra, essas
informações vêm incrustadas em sua personalidade. No caso específico das ações
que tenham sido protagonizadas pelos excessos da libido, em vida pregressa,
certamente repercutirá no comportamento atual do Espírito, provocando
desequilíbrios em sua psicosfera. Atentar para as pistas que a consciência dá
diante da iminência do cometimento de novos erros no campo do sexo e conhecer
as nuances da libido, são meios de exercer domínio sobre as ações dessa
energia, evitar ou minimizar possíveis gravames:
Na
escala sempre crescente e intensiva da evolução psíquica, o indivíduo se vê em
permanente luta com as forças que se lhe desentranham da alma – verdadeiras
irradiações da potência intrínseca que é o Espírito no concerto da Criação
cósmica. A energia sexual, como carga magnética específica, a gerar e suster
impulsos criadores para a renovação e aprimoramento das condições de vida,
torna-se-lhe verdadeiro vulcão de possibilidades, marcando-lhe comprometimentos
e experiências multifárias, no requinte que passa a emoldurar seus sentimentos
e desejos.[49]
Esteja onde o Espírito estiver (no ambiente físico ou extrafísico), no
campo de suas ações, a libido é energia sagrada e poderosa que o auxilia,
agindo incessantemente em sua vida. Daí a importância de estudá-la bem para bem
conduzi-la. Fugindo a digressões, ressalto que minha analise situa-se no
ponto em que a homossexualidade tem estreita ligação com a inadequada
utilização da libido em épocas pretéritas. Para tanto, é imprescindível que se
tenha em mente, de início, a assexualidade como atributo do Espírito, pois é a
partir desse princípio que serão mais bem-compreendidos os embaraços de ordem
psicológica experimentados por ele quando estreia ou estagia nesse ou naquele
gênero pela primeira vez. Nessa linha, o heterossexual que em vidas pretéritas
experimentou sequência de repetidas vivências em um mesmo gênero, ao
reencarnar, estagiando em gênero oposto, pode, mesmo que tenha respeitado as
linhas de conduta preceituadas pela divindade, no que respeita ao uso do sexo
ou da expressão de sua sexualidade, enfrentar dificuldades de adaptação ao novo
gênero a que se acha comprometido:
A
forma, numa como noutra área, é oportunidade para aquisição de particulares
conquistas de acordo com os padrões éticos que facultam a uma ou à outra.
Quando são conseguidos resultados positivos numa expressão do sexo, pode-se
avançar, repetindo-se a forma até que, para diferente faixa de aprendizagem, o
Espírito tenta o outro gênero. No momento da mudança, em razão dos fortes
atavismos e das continuadas realizações, pode ocorrer que a estrutura
psicológica difira da organização fisiológica, sem qualquer risco para o
aprendiz, porquanto há segurança de comportamento e nenhum desvio da libido por
ausência de matrizes psíquicas decorrentes da degeneração imposta aos hábitos
anteriores.[50]
O médico do altiplano, Bezerra de Menezes, acrescenta, com a didática
típica de quem detém com profundidade o conhecimento do comportamento humano,
que quando há domínio dos impulsos menos dignos da libido e vivendo sexualidade
equilibrada no gênero escolhido, fidelizando sua psicologia às suas linhas
morfológicas, os Espíritos humanizados são denominados por ele de
heterossexuais calmos e seguros, pois são capazes de transitar, se for o caso,
por toda a vilegiatura física com autossuficiência, sem conflitos e sem maior
esforço.
Os desalinhos e o difícil resgate
das virtudes
Ao candidatar-se a qualquer dos gêneros, se no planejamento
reencarnatório constam registros vinculados a ações dissentes da moral,
cometidas na área do sexo, o Espírito sofre os efeitos danosos dos desalinhos.
Tais desalinhos na conduta, adquiridos em ações contínuas em vidas pretéritas,
cristalizou na memória celular do seu corpo sutil (perispírito[51] condicionamento que repercutiu na organização do seu corpo físico:
Quando,
porém, o indivíduo se utiliza da função genésica para o prazer continuado sem
responsabilidade, derivando para os estímulos que as aberrações da luxúria a
convidam, incide em gravame que é convidado a corrigir, na próxima oportunidade
da reencarnação, sob lesões da alma enferma, que se exteriorizam em disfunções
genésicas, em anomalias e doenças do aparelho genital, ou na área moral,
mediante os dolorosos conflitos que maceram, nos quais o ser íntimo difere in
totum do ser físico... [52]
Não tendo corpo físico e mente encontrado o ponto de equilíbrio, vivendo
psicologia afetiva desorientada em razão do açulamento e descontrole da libido,
as lesões podem ser agravadas, resultando em deformações físicas gradativas na
organização do corpo. A sabedoria divina permite que isso aconteça para que o
Espírito não reclame haver cerceamento do seu livre-arbítrio. Além disso, sabe
o Criador das criaturas que essas reações são instrumentos automáticos de
autocorreção de suas mazelas:
De
permeio, surge, no laboratório das transformações, a interferência das mentes,
produzindo constituições assinaladas que eram os tipos do hermafroditismo e da
bissexualidade, que passam a constituir organismo de reeducação para os seus
exploradores antigos, agora submetidos a provas de correção entre fortes
conflitos e áspera insegurança interior...[...] Quando o corpo se encontra
definido numa ou noutra forma e o arcabouço psicológico não corresponde à
realidade física, temos o transexualismo, que, empurrados pelos impulsos
incontrolados do eu espiritual perturbado em si mesmo ou pelos fatores
externos, pode marchar para o homossexualismo, caindo em desvios patológicos,
expressivos e dolorosos...[53]
Importante notar que as palavras “homossexualismo” e “patologia”, utilizadas no texto da citação acima, não foram empregadas na acepção
literal que a medicina dos nossos dias atribui. A doutrina Espírita nunca
considerou a homossexualidade como doença, apenas enfatiza, quando cita a
palavra homossexualismo, que as ações do Espírito são gravadas no Perispírito
(corpo sutil que envolve o Espírito) e que, quando são profundas, o ponto sob o
qual incidiu suas impressões, gera uma lesão que é refletida no corpo material
que é formado, ocasionando algumas deformações ou patologias. Não há, na
expressão “homossexualismo”, utilizada pelos orientadores espirituais, o sentido de doença da
mente ou do Espírito, mesmo porque o Espírito com tendências homossexuais pode
se expressar por meio de um corpo são ou deficiente, sem que os sintomas da
homossexualidade ou do seu modo de ser seja alterado por conta da disposição
orgânica.
É provável que alguns céticos questionem, convencidos por lentes que
mostram apenas horizontes limitados, a razão do ‘distanciamento’ do Criador
ante os desmantelos ora assistidos na área do sexo, em que a moral parece
fenecer, quando Ele poderia, num único ato, no que lhes parece óbvio,
interferir e por fim, de modo inquestionável, à sequência de afirmação da
cultura do imoral. No entanto, em sintonia com as intenções sempre justas do
Ser Supremo, André Luiz responde à questão colocada com a experiência daquele
que bem conhece os limites e as incertezas comuns dos habitantes de um mundo de
provas e expiação:
[...]
sempre que indagamos de nossos Maiores porque não interfere a Divina
Providência no campo da inteligência corrompida no mal, a resposta invariável é
que o Criador exige sejam as criaturas deixadas livres para escolherem o
caminho de evolução que melhor lhes pareça, seja uma avenida de estrelas ou uma
vereda de lama. Deus quer que todos os seus filhos tenham a própria
individualidade, creiam nele como possam, conservem as inclinações e gostos
mais consentâneos com o seu modo de ser, trabalhem como e quanto desejem e
habitem onde quiserem. Somente exige - e exige com rigor - que a justiça seja
cumprida e respeitada. A cada um será dado segundo as suas obras.[54]
Eis, aí, a sabedoria do Magnânimo ao atribuir no bojo de suas leis
mecanismo perfeito de compensação ou de correção. Quando há inobservância de
alguma delas, o mecanismo corretor ou moderador é acionado automaticamente para
que aprendamos que “todo abuso fere e machuca para nos ensinar a lição
da ordem e desenvolver em nós o instinto do autocontrole e o sentido do
equilíbrio.”[55]
Tendo o Espírito se desvencilhado dos desejos menos dignos e vencido as
etapas necessárias ao resgate das virtudes, o Espírito humanizado passa a
vivenciar sua sexualidade mais consciente dos deveres plenos da vida, nutrindo
sentimentos mais nobres e aspirando ideais superiores, portanto, sem abalar-se
ante as sensações do sexo. É o caso de quando:
Outros
Espíritos, receosos de repetir as façanhas prejudiciais, solicitam e conseguem
formas neutras, o que equivale possuir uma anatomia tipificadora de um ou outro
gênero, com uma psicologia e uma emoção destituídas de interesse por tal ou
qual manifestação, digamos, erótica. Constituem a larga faixa em que estão as
pessoas brandas, cuja aparência inspira sentimentos nos outros, sem que se
deixem enredar pelos apetites correspondentes, por serem psiquicamente
assexuadas, embora possuam todo o mecanismo genésico perfeito e sejam
portadoras dos hormônios correspondentes à sua fisiologia. Assim, mais
facilmente executam os misteres que abraçam nos diferentes setores da
existência, normalmente afeiçoadas em profundidade aos seus programas de
enobrecimento, mediante os quais se elevam e promovem a Humanidade.[56]
Esse modo de ser ainda não é o nível evolutivo que os herdeiros do novo
mundo esperam encontrar aqui, porém, até que se complete esse período de
transição, as relações humanas nutridas nessas condições vislumbram, talvez, os
primeiros passos de afetividade mais consoante o amor pregado pelos prepostos
Crísticos. Os Espíritos que vivem nesse ambiente de fraternidade participam,
sem o saberem, da sutilização dos corpos, os quais, por sugestão natural e
contínua dos seus pensamentos virtuosos, sofrerão mudanças significativas ao
longo do tempo, a fim de se adequarem ao biótipo ou necessidades funcionais dos
Espíritos da era de regeneração. Assim, a cada alvorecer, ao lapidar-se, o
Espírito participa como cocriador na arquitetura de novos corpos, interferindo em
sua transmutação molecular, amoldando-o conforme sua linha evolutiva.
A transição do homo sapiens para o
homo spirituale
Analisando a escala de progresso mais detidamente, percebe-se, na
atualidade, que há inquietação no estado das coisas e dos seres, que certamente
se vincula à transição planetária. As lições doutrinárias de Bezerra de
Meneses, em harmonia com o progresso universal, agora ampliando as luzes do
entendimento acerca do assunto em análise, nos ensinam que o futuro nos acena
com um mundo de regeneração, o qual marca a despedida do Homo Sapiens e a
chegada do Homo Spirituale, nos assegurando que, se o Espírito é assexuado e
evolui, o corpo que o reveste deve seguir seu encalço, evoluindo também:
A
própria forma humana vigente hoje, na Terra, é transitória. Entre o
Pithecanthropus erectus e o Homo sapiens houve expressivas modificações
anatomofisiológicas no ser em progresso, tendo em vista que, sendo superior o
psiquismo na atualidade, portanto, o Espírito, este imprime no corpo o que lhe
é mais necessário para a evolução a que se destina, assim elaborando órgão e
compleição mais compatíveis com as suas finalidades. É compreensível que deste
ao Homo technologicus hajam ocorrido sutis alterações que preparam a forma do
futuro Homo spirituale em condições melhores.[57]
É concomitante à transição planetária que se opera a sutilização dos
corpos. Nesse ambiente de vibrações amorosas, contagiados pela presença dos
Espíritos da era de regeneração, será comum depararmo-nos com indivíduos (caso
das crianças índigo[58]) portadores de expressão dócil, dotados de inteligência e sensibilidade
refinadas e que agem com profundo sentimento de fraternidade incomum. O
desinteresse pelas sensações mais grosseiras do sexo, a sublimação da energia
criativa da vida (a libido) e o permanente desejo de solidarizar-se com o
próximo, são características inerentes a esses Espíritos humanizados que, após
longa e proveitosa vivência no bem, em vidas múltiplas, prosseguem em sintonia
com os mensageiros do altiplano.
As mídias de massa e o incentivo
ao sensualismo
Enquanto transcorre esse processo de transição, o Espírito humanizado
permanece asfixiado pelo nevoeiro denso de sua ignorância e, por isso mesmo,
encontra dificuldade em desanuviar-se desse breu. Essa dificuldade advém de sua
suscetibilidade natural às influências do meio social em que vive. Ora, a
análise das relações homoafetivas revela que sua problemática nasce das ingerências
que o Espírito faz das leis divinas, em detrimento de suas escolhas.
Deduz-se disso que, se o meio onde o Espírito vive não é o principal
responsável pelos seus erros, no mínimo é o que os agrava. Em meio às
diversidades do ambiente físico e social, não tenho dúvida em atribuir aos
meios de comunicação de massa parcela considerável de responsabilidade pela
recrudescência das imperfeições do Espírito, especificamente no campo do sexo.
É uma das interferências externas que fragilizam os valores e desconstroem a
estrutura familiar.
Criado para viver numa sociedade fraterna, regada a ensinamento e
aprendizagem recíprocos, o Espírito falível, ainda que perfectível, tanto
influencia quanto é influenciado. Então, não há como desconsiderar, no campo
das ideias, a influência do meio onde ele respira, afinal, a convivência
solidária entre seus pares é a tônica de sua vida. Só dessa forma, e não pelo
isolamento, ele faz eclodir e desenvolver suas potencialidades. Nesse ambiente
holístico de permanente e necessário intercâmbio, o tratamento ou juízo que
fará das informações que recebe, seja qual for o assunto, dependerá do seu
nível evolutivo. Nesse ponto, a partir do baixo nível evolutivo do Espírito e
se aproveitando das deficiências do nível educacional precário que o Estado
oferece à sociedade, os meios de comunicação de massa exercem sua influência
para ditar costumes como inovação e disseminar usos com velocidade e
facilidades que a tecnologia lhes proporciona. Seus discursos, indiferentes ao
bem comum, visam implantar padrões de comportamento condizentes com seus
projetos. Exemplo disso é quando um jornalista é impelido a ajustar sua opinião
sobre os fatos à linha de interesse do veículo. Nesse panorama, a questão das
relações homoafetivas, tratadas pelas mídias de massa como fontes de conteúdos
rentáveis, também despertam outras tantas modalidades de interesses em diversos
setores do mercado de consumo no campo do sensualismo.
Longe de negar a importância da mídia como valioso instrumento de
difusão de conhecimento e de entretenimento, pretendo aqui apenas dar
transparência ao aspecto negativo que embota seu valor, qual seja, exorbitar de
sua finalidade institucional de bem informar e entreter a sociedade, para
malformar, deformando valores e moldando o comportamento das famílias. Sua cota
de responsabilidade sobre o crescente interesse dos indivíduos nas relações
livres no mundo afetivo decorre das abordagens que faz, pois, ao pregar o
direito à liberdade de expressão, na verdade mascara sua real intenção de
incentivar o sensualismo.
O Espírito, humanizado ou não, mister que se repita, é suscetível às
influências do meio. Em relação aos meios de comunicação, o indivíduo é
mais vulnerável às suas influências, visto que sua capacidade de interpretar
mensagens é deficiente e está sempre em desvantagem em relação à capacidade
técnica de convencimento dos veículos e das agências de propaganda. Nessa
condição, basta que tema ou pauta sejam repetidos para que o seu teor de
sedução influa no imaginário do indivíduo e o conduza a uma realidade hipostasiada.
O constitucionalista Alexandre Sonkievicz, após chamar atenção para os riscos
que os grupos minoritários correm ao silenciarem seu dissenso a respeito da
sub-representação de suas preferências quanto aos programas ofertados pelos
grandes entes privados de comunicação, ressalta também fatores que contribuem
para a tendência humana ao consenso, com probabilidade de mesmo risco:
Se não
temos dados suficientes sobre algum assunto e um número de pessoas parece
acreditar que determinada proposição é verdadeira, há uma razão para acreditar
que essa proposição realmente seja verdadeira. Afinal, a maioria das coisas que
pensamos não são pensadas pela primeira vez por nós mesmos, mas são
consequências daquilo que aprendemos com o que outros fazem e pensam.[59]
Dessa forma, o constitucionalista ainda afirma que há muitos evidências
que comprovam a capacidade de a mídia influenciar a opinião pública,
notadamente porque, quando ela determina agendas, as pessoas acreditam mesmo
que os temas são os mais relevantes e que os assuntos escolhidos por ela são
considerados de especial importância. Nesse aspecto, não é difícil crer, penso
eu, que as programações de TV aberta quando abordam casos envolvendo relações
homoafetivas, exibidos exaustivamente nas novelas de horários nobres, não se
posicionam como quem conta à sociedade faces da vida que merecem ser conhecidas
e refletidas (a bem do bom convívio), mas, apenas fomentam temas ligados à
homossexualidade porque convém ao mundo dos seus negócios.
O apoio à ação das mídias na permanência desse estado de coisas vem das
correntes pós-modernas. Proclamam que a pós-modernidade tem seu ritmo
próprio e que quem não acompanha sua velocidade perde contato com a
realidade. Acontece que, no jogo da vida, aderir a esse ritmo sem os
critérios de mais alto valor, parece desprezar que o conhecimento e a
importância de cada fase é determinante não apenas para a consecução da próxima
fase, mas vale também para definir o significado de toda a aventura quando
analisada em seu conjunto. Então, sem tempo hábil para analisar os fatos
na velocidade que surgem, fica prejudicado o juízo de valor que se possa fazer
dessa realidade, já que, segundo o tempo, a realidade agora é outra. É oportuna
aqui a reflexão de Licia Arena, mestre de comunicação e mercado, quando
assinala em sua crítica que o limite do homem contemporâneo é o seu desejo e
que a realização desse desejo está na capacidade de alterar o real mediante o
uso da tecnologia, enfatizando ainda que, por conta disso, a insensatez de
nosso tempo impõe que não toleremos mais o que dura, porque o artificial é uma
exigência da velocidade:
Nada
se constitui para ser definitivo, tudo é transitório, fazendo com que a grande
aventura da vida seja a sua fluidez, a sua instabilidade. [...] A explosão de
imagens e a estetização contagiam o real que passa a ser um apêndice do
virtual. A urgência da velocidade e a estética contaminam os sentidos. O real
perde a função, passando a ser inexpressivo, necessitando ser ampliado até
criar a magnitude permitida antes apenas em sonho.[60]
Expostos, dessa forma, a esses conteúdos instantâneos, oferecidos por
sistema de comunicação descompromissado com o bem comum, creio não haver mesmo
tempo para os indivíduos, influenciáveis e deficientes em sua capacidade de
interpretar e de escolher, defenderem-se das manipulações midiáticas. Roberto
Amaral Vieira ao analisar a opinião pública do ponto de vista da representação
popular, questiona sua legitimidade pelo fato de ela ser servida por
comunicação de massa que monopoliza a difusão do conhecimento e presta
informação contaminada. Tal situação, segundo ele, é facilitada em razão de a
sociedade ser constituída por grande parcela de analfabetos funcionais[61] que são atraídos pelo comodismo da informação limitada, oferecida
pelos audiovisuais:
A
informação disponível é audiovisual. E a informação audiovisual é, por
definição, por essência, por necessidade, uniforme. Uniformizada. Unilateral e,
principalmente, fragmentada. E assim, ela não enseja, nem reflexão, nem o juízo
crítico. Não possibilita a visão de conjunto6. O homo sapiens cede
lugar ao homo ocular. Um homem inteiramente dependente das imagens, e,
portanto, com muito menos capacidade de crítica ou reflexão.[62]
Nesse cenário, em que a ilusão assume ares de realidade, não é de se
admirar, nos dias de hoje, o crescente clamor pela liberdade de todo tipo de
expressão como condição primeira para justificar o exercício de toda ordem de
direitos, sem levar em conta o equilíbrio entre moral e ética, como exercício
do dever, e sem levar em conta a transcendência do Espírito como desdobramento
da vida do ser. O efeito danoso desse afrouxamento de conduta, transcorrendo
incólume ao jugo emocional dos defensores dos direitos humanos, bem como sob a
astúcia da mídia de massa, é a banalização do sexo pela estetização do corpo; a
iniciação sexual precoce dos adolescentes e a abordagem da
homossexualidade em tom de modismo.
Assim, como educar o exercício de liberdade que se expressa sem
responsabilidade, numa sociedade que é estimulada a ignorar a educação e
menoscabar a moral? Os defensores dessa liberdade crua, de modo geral, sob
pretexto de precatarem-se da temida censura, não percebem que, ao implementá-la
de forma intocável, retiram dela sua pureza finalística e conceitual, restando
no seu comando a conotação autoritária, visto que prega a liberdade, mas
amordaça a crítica. A meu ver, não há nexo em admitir a fruição de direito sem
correspondente dever como mantenedor da justiça e do equilíbrio. Ademais,
atualmente se instala na consciência dos indivíduos a ideia de que a crítica
sobre a homossexualidade naturalmente já é concebida sob o estigma do
preconceito. Acontece que criticar a razão ou dar razão à crítica,
parafraseando Immanuel Kant, é trabalhoso e ainda pode frustrar o pensamento do
crítico quando, dos seus estudos e análises, conclui que razão não lhe assiste.
Então, é imperioso lembrar que não existe liberdade de expressão que
exprima tese sem que ela dê oportunidade de outra expressão gerar a antítese.
Só dessa forma conhecemos a síntese. Sem crítica não há progresso intelectual
nem moral.
Com efeito, se o desenvolvimento intelectual e moral dos adolescentes
continuar a ser norteado dessa forma, ficará cada vez mais difícil os pais
falarem de moral e ética para seus filhos, pois, conforme adverte Ernst
Tugendhat, “quem não tem senso moral não se pode envergonhar
moralmente nem se indignar com outrem.”[63] De fato, as novelas, principal produto na área de teledramaturgia
brasileira, são disseminadoras de novos comportamentos, importando-se mais com
o nível de audiência e menos com a qualidade do conteúdo. Em razão disso,
resta aos pais a árdua tarefa de selecionar os conteúdos que, de algum modo,
possam incutir no comportamento dos filhos hábito ou costume que lhes seja
prejudicial na economia do lar ou nas relações sociais. Sobre a necessidade de
estar em alerta quanto a esse cuidado ou filtro, Montaigne chamou atenção para
os efeitos que os pequenos atos causam quando viram costumes, afirmando que o
hábito, seja qual for o seu teor moral:
Pouco
a pouco, às escondidas, ganha autoridade sobre nós; a princípio terno e
humilde, implanta-se com o decorrer do tempo, e se afirma, mostrando-nos de
repente uma expressão imperativa para a qual não ousamos sequer erguer os olhos
[...] O principal efeito da força do hábito reside em que se apodera de nós a
tal ponto que já quase não está em nós recuperarmos-nos e refletirmos sobre os
atos a que nos impele.[64]
Malgrado o esforço dos pais, seja por orientação direta aos seus filhos
ou mediante Violence-Chip[65], devido à grande incidência desses programas nos lares, vigiar a
qualidade do que é exibido não é suficiente para diminuir o leque de conteúdos
nocivos, devido a dois fatores: i) a impossibilidade de
vigília ostensiva por parte dos pais pelo fato de estes estarem no trabalho,
portanto, ausentes dos seus lares a maior parte do tempo e ii) a
incapacidade dos filhos de distinguir, na diversidade da programação exibida, o
teor prejudicial escondido nas abordagens sutis e subliminares dos conteúdos.
Destacando o poder determinante da mídia no comportamento dos adolescentes, o
psicanalista e psicólogo Paulo Roberto Ceccarelli sintetizou:
A
mídia tem uma responsabilidade ética com aquilo que exibe e não pode ignorar a
sua participação na construção social, na formação de mentalidades e no
desenvolvimento psicossocial da criança e do adolescente. Atrelar o que ela
veicula unicamente aos pontos da audiência baseada na ideologia de uma cultura
globalizante é desrespeitar a particularidade do tempo de maturação da
constituição de cada sujeito.[66]
Do ponto de vista da moralidade, um grupo de pesquisadores da área da
educação procurou saber se estamos vivendo tempos de ‘crises de valores’
(carregando a noção de que estão ‘doentes’ e correndo o risco de extinção) ou
‘valores em crise’ (em que os valores estariam apenas mudando de
interpretação). A tendência dos pesquisadores foi diagnosticar que “estamos
em época de valores em crise e não tanto de crise de valores” [67], ou seja, estamos assistindo a um rearranjo moral, na visão de um dos
coordenadores da pesquisa, Yves de La Taille.
A conclusão não poderia ser mais acertada, vez que o conceito de
moralidade está em processo de mutação por força dos interesses imperiais da
globalização. Aliás, como bem afirmou Tony Judt, “numa era em que os jovens são estimulados a
maximizar o interesse e o progresso individuais, o incentivo ao altruísmo e até
ao bom comportamento se torna obscuro.”[68] Vivemos uma crise de valores porque somos induzidos a primar o
imediatismo. Aliás, é ainda em “Crise de Valores ou Valores em crise?” que somos advertidos de que “a formação de valores morais ou éticos depende de
algo além da tomada de consciência do dever: depende de uma motivação interna
para a ação, chamada de sentimentos”.[69] Enfatiza que “não se
trata de quaisquer sentimentos, fadados às variações, mas, sim, daqueles que
estão íncitos numa categoria de valores que se conservam”.[70]
Difícil manter ou fidelizar tal sentimento, se na internet, por exemplo,
aos casados, um site decanta a nova moral, garantindo que ter uma amante é normal,
por isso, ao advertir que a vida é curta, convida para que se curta um caso. Na TV, a mulher é convidada ao culto narcisista para fazer do corpo
sua arte e de sua beleza, o sucesso. O humor inteligente, que fazia graça
inocente, agora só faz rir das jaças do sexo. Em flagrante desdém ao amor e à
moral, os indivíduos assim seguem dirigidos sob os apelos maliciosos da mídia,
que se resumem em compartilhar pecados e sufocar virtudes.
Importante frisar que as redes comunicativas que exercem domínio sobre
as massas não se restringem às que operam em nosso globo físico, mas, muito
mais que se imagina, abrangem também as redes situadas em ambientes
extrafísicos adjacentes ao nosso orbe, operadas por Espíritos ligados à difusão
de comportamentos vis e que se comprazem na propagação do sensualismo. Há
várias formas de atuação deles com vistas a influenciar os que são receptíveis
a suas sugestões. A ação mais direta se dá quando, ao dormir, o Espírito
se desliga parcialmente do corpo pelo mecanismo do sono e, nesse período, tem a
oportunidade de renovar suas energias e reencontrar seus afins na pátria de
origem (o mundo espiritual). É nessa curta vivência que se operam os
recrutamentos ou treinamentos de difusores de ideias lascivas, das quais se
recordam tão logo despertem do sono, como bem alerta um orientador espiritual:
Liberdade de expressão é via de mão dupla na qual o livre-arbítrio é a
lei que rege o sentido em que nela se trafega. Sendo assim, a escolha, como
único veículo disponível nessa via, a depender da suscetibilidade do passageiro
às influências dos vendilhões de destinos, pode levá-lo à estação da dor ou da
felicidade. Diz-nos André Luiz que “o homem, herdeiro presuntivo da
Coroa Celeste, é o condutor do próprio homem, dentro de enormes extensões do
caminho evolutivo", fazendo o
seguinte alerta:
E, se
há uma corrente, brilhante e maravilhosa, de criaturas encarnadas e
desencarnadas que se dirigem para o monte da sublimação, desferindo glorioso
cântico de trabalho, imortalidade, beleza e esperança, exaltando a vida, outra
corrente existe, escura e infeliz, nas mesmas condições, interessada em descer
aos recôncavos das trevas, lançando perturbação, desânimo, desordem e sombra,
consagrando a morte. Espíritos incompletos que somos ainda, aderimos aos
movimentos que lhes dizem respeito e colhemos os benefícios da ascensão e da
vitória ou os prejuízos da descida e da derrota, controlados pelas inteligências
mais vigorosas que a nossa e que seguem conosco, lado a lado, na zona
progressiva ou deprimente, em que nos colocamos. [72]
Tudo isso deriva de nossa condição de Espíritos imperfeitos que somos, a
qual nos faz suscetíveis às influências dos dois ambientes vibratórios (físico
e espiritual) em nossas relações sociais e familiares. Em razão disso, quando
se tem como missão galgar os diversos níveis de conhecimento, construindo
nossos saberes à base da permuta de experiências vividas por nós com as vividas
pelo nosso próximo, é fundamental que prossigamos em sintonia com as diretrizes
divinas, a fim de que nossa caminhada evolutiva seja feita de modo segura e
justa. Nesse sentido, visto que a perfeição só será alcançada mediante a
cooperação mútua, é imperativo que cada um contribua para consolidar a
felicidade como sentimento real e inabalável, numa atitude de solidariedade e
fraternidade, sem imposição, sem ferir o direito cardinal de liberdade e da
dignidade humana.
As glórias da tolerância
O amor, em sua expressão pura, só é possível quando o Espírito atinge
nível de conhecimento e de moral verdadeiramente pleno. Somos qualificados como
Espíritos carentes de desenvolver as virtudes básicas latentes e necessárias a
uma convivência civilizada, a fim de que ascendamos juntos em igualdade de oportunidades
e auxiliemo-nos voluntariamente. Porém, enquanto tais virtudes não estiverem
plenamente desenvolvidas, devemos cultuar a tolerância como ato virtuoso
imprescindível à melhor compreensão das diversidades alheias e das nossas.
A tolerância se apresenta, assim, como parte de processo pedagógico que
deve facilitar o entendimento, pelo Espírito em ascensão, acerca da razão de
ser e existir das diferenças. Se há divergências, significa que alguém, por
algum motivo, é diferente no seu modo de materializar aspirações. Quando somos
capazes de detectar diferenças, automaticamente já fazemos parte delas. Então,
nesse contexto, considerando os desníveis de toda ordem de conhecimento
demonstrado pelos atores sociais, a prudência sugere, respeitando justamente o
alcance de cada um, que se adote a tolerância que for possível diante das
ambivalências, como medida de comportamento segura para melhor interpretação
das desigualdades e convivência social mais justa.
As discussões sobre o conceito histórico de tolerância às vezes são
inglórias e até parecem contraditórias, porquanto assumem, em algumas
situações, valores distintos, como mostra Paulo Meneses, ao afirmar que “as
palavras lutam com as palavras, e a realidade a que se referem fica fora do
campo de visão.” [73] Em algumas dessas situações, tolerância e intolerância denotam atitudes
de virtude ou de defeito, a depender da finalidade de seu emprego. A tolerância
será sempre virtuosa se sua ação resultar em benefícios recíprocos que elevem a
alma de quem a exerce e de quem dela é seu alvo. A intolerância é
admissível quando visa a manutenção da ordem e da dignidade das pessoas, como o
combate à tortura, à pedofilia, à escravidão, ao narcotráfico, ao terrorismo e
ao estupro.
A tolerância à expressão homoafetiva é ato de sabedoria por parte de
quem a exerce, pois, reconhecendo os homossexuais tão perfectíveis quanto a si
próprio, sabe que a adoção do comportamento deles, a exemplo de tantos outros
vividos pelos heterossexuais, na linha do progresso, nada mais revela que o
caráter fugaz do modo de ser de quem ainda não alcançou a perfeição. Sem essa
correta visão, pratica-se a tolerância hipostasiada, significando “uma
atitude neutra de quem não quer aceitar e muito menos amar o outro, mas apenas
'tolerar', permitir como um favor ou condescendência, que ele exista.” [74] Isto ocorre quando o ato de tolerar é ainda embrionário e ainda
não alcançou o seu nível de consciência desejável.
Não me ocuparei em deslindar as atitudes extremas que se prestam a
abolir práticas sociais intransigentes extremas, porque é sabido que elas
geralmente excedem de sua missão. A tolerância de que me ocupo há de ser sempre
virtuosa e será aquela que, sem sair do seu eixo de cooperação, se propõe a
identificar as diferenças como circunstâncias temporais, próprias de seres
imperfeitos, proporcionando meios, com ação contributiva, no sentido de
conformar essas diferenças ao ideal de igualdade em regime de fraternidade, em
todas as relações sociais.
A tolerância é alimento espiritual extraído e oferecido com base nas
aquisições pessoais conquistadas ao longo da vida, portanto, lembremo-nos de
antemão que nossas limitações ainda não nos capacitam a aplicar juízo de valor
absoluto. Assim, o critério da ambivalência crítica parece ser a adoção mais
ética no trato com as alteridades. Recomenda-se, noutras palavras, a máxima
evangélica de não se admoestar ninguém, caso a consciência admita que o inverso
resultará em dor. Quando a consciência alerta sobre essa possibilidade, então
vale a pena investir na tolerância para que a colheita dos benefícios seja
profícua. O que nos deve impelir à tolerar o próximo não deve ser apenas a
importância do sincero reconhecimento das diversidades alheias, mas, sobretudo,
o receio de ferir ou hostilizar alguém com as medidas postas em ação após esse
reconhecimento ou entendimento.
Embora as diferenças indiquem que em alguma coisa somos melhores ou
piores que alguém, e que não é fácil identificar com precisão essas qualidades
ou defeitos, não se tira daí que ninguém está privado de emitir sua crítica,
tanto quanto ninguém está isento de recebê-la. Se esse cerceamento ocorrer, o
conceito de certo e errado passará a ser axioma inútil e a aplicação da
tolerância sem limites pouco contribuirá para o progresso das consciências.
O Côncavo e o Convexo
Na geometria divina, que no espaço e no tempo traça a medida justa do
bem viver, por meio de leis perfeitas, logo, imutáveis, importa saber que
imagem nossas ações irão refletir no majestoso espelho das verdades eternas. O
indivíduo que procura conhecer a si próprio, instruído pelos magnos ditames da
Providência, promove exercício inteligente que o auxilia a escolher o espelho
que refletirá fielmente o que há de mais sublime em sua personalidade,
prevenindo-o, inclusive, dos tantos outros espelhos intermediários que,
limitados por sua pobre resolução, distorcem o foco de suas linhas diretivas.
O espelho côncavo, por exemplo, aumenta a imagem e diminui o campo
visual, enquanto o espelho convexo aumenta o campo visual e diminui a imagem.
Nessa linha metafórica, em que se sugere que espelhos refletem o pensamento e
as missões do indivíduo, se a concavidade ou a convexidade deles representam
suas ações titubeantes, em que momento da vida tais indivíduos se capacitam
para reconhecê-las desfocadas das leis divinas? Esse momento surge,
entendo, quando a consciência nos resgata da agitação das discórdias humanas às
Leis de Deus para condicionar-nos à paz silenciosa dos acordes soberanos.
Em nível de conhecimento das verdades plenas que permeiam os dois planos
da vida, a ignorância do Espírito é espécie de estrabismo que afeta a boa
visão, que reduz ou dificulta seu campo visual no horizonte de suas missões e escamoteia
os valores morais, travestindo sempre seus sentidos, conformando-os aos seus
interesses imediatos, numa cabal demonstração de seu atraso espiritual, isso
por que:
Em
termos substanciais, a Moral não é relativa, não é mutável em função dos
costumes, das culturas e das épocas. Um dia, os cultores da Filosofia
entenderão que a Moral Evangélica é padrão eterno, ao qual as outras formas
transitórias de moral menor terão afinal de ajustar-se, porque as
diferenciações evolutivas, na dinâmica do progresso, não traduzem senão valores
provisórios que não se podem confundir com os módulos estáveis do valor maior,
definitivo e supremo. [...] Talvez seja, porém, nos domínios da Lógica que a
maior revolução terá lugar, na era nova do Evangelho Aplicado, porque o
pensamento regenerado não mais adotará premissas mentirosas para chegar a
falsas conclusões, rotulando tais descalabros com sinetes enganosos de
insustentáveis silogismos. [75]
Creio ter atingido aqui o meu desiderato, alimentando a esperança de que alguma dessas palavras, ainda que apenas uma, doravante, a cada abrir e fechar de olhos do homoafetivo, possa operar, no âmago do seu ser, efeito sutil que o motive a rever seu conceito sobre a vida, cuja vida pulsa em diferentes vibrações nas duas esferas (física e espiritual). Desejo que, num átimo da suprema influência de Deus, ela, a palavra de que falo, desencadeie na mente e no coração do homoafetivo, processo de autocrítica, lento, porém, perseverante, que possibilite alijar de sua visão as máculas que impedem seu cristalino de refestelar-se com a luz do discernimento e com o amor que harmoniza e complementa os dois ambientes da vida. Sob a perspectiva dessa ótica, seguro será o caminho que o reconduzirá de volta à nova conduta, porque os clarões das Leis divinas estarão presentes em todo seu percurso, iluminando, como sempre fez, não só sua mente e seu coração, mas todas as consciências do nosso e dos diversos mundos que compõem o universo de Deus.
Homens, irmãos, ainda que não possais viver santamente, à face dos instintos inferiores que nos atenazam as almas, animalizadas ainda por duros gravames do passado culposo, reduzi, quanto puderdes, as quedas de consciências![76]
O Poder da Mídia e o Controle da Opinião Pública. Anais da XVI, Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. pg. 253. Setembro. 1996.